Monólogos malignos
Sim, eu sei.
Sim, eu entendo.
Na verdade eu até compreendo, mas acho injusto
Porque eu acho.
Porque eu não quero.
Porque basta eu não querer.
Eu? Sou você.
E você sou eu.
O que eu decidir será.
Não existirá razão, motivo ou justificativa
Você vem contido em mim e não o contrário
Não travarei batalha com um corsário
Interessado apenas em minha vida.
Eu sou mais que sangue, gritos e lágrimas
Eu sou mais que o afiado cortar da navalha que você empunha
Sendo minha caricatura, vejo o rabo entre as pernas
As mãos que tremem como se fossem despencar
Os olhos negros que brilham na luz escura
Um instinto de luta ou fuga
Completamente desnecessário.
Pois você é só voz
Atroz personificação do meu escárnio
Suas vis intenções pregadas num muro de lamentações
Gravado com cada uma das situações das quais
Você faria diferente se pudesse
Você os mataria se quisesse
Apenas passar seu ponto.
Eu venho de contraponto para seus discursos inflamados
Suas ideias mirabolantes
Seu maquinário enferrujado,
Sua loucura galopante;
Você pega em armas e eu pego o berrante
Para que seus chifres não tomem para si o ambiente.
Você é consciente dos seus atos, das suas falas
Você conhece todos os nós e amarras
Que trancariam almas livres em pequenas caixas.
Você vem junto apenas de si, e isto basta
Você separa por condição e casta
E são os mais fracos que primeiro você ataca.
Você vê uma montanha e escala
Apenas para estar acima do mundo
E olhá-los de cima para baixo.
Você se mete onde eu não encaixo
E me larga sozinho buscando a saída.
Não existem definições sadias no seu dicionário.
E cá estou eu de novo, te alimentando
Provendo a audiência que tanto procura
Tentando suturas em buracos que não se fecham
Sem a sua ajuda;
Costurando novas descobertas
Para que me façam algum sentido
Do porque você sou eu (tão diferente)
E do porque fui eu o escolhido;
Já sou abrigo de outros loucos, depressivos
De crianças que já morreram e de outras que nem existiram;
Em mim já há enfermos, bestas e feridos.
Contenho inúmeros adjetivos,
E nem todos eles são positivos;
Já manejo a escusa e o ensejo
E todas as etapas entre um e outro.
Não sou apenas a tampa que separa o mundo do esgoto
Sou mais que uma prisão de carne, nervo e osso
Eu sou o que te contém, mas por você não serei contido;
Você é meu defunto
E eu sou o teu jazigo.