Cantos de Miséria
Desespero-me a pintar flores
Enquanto contemplo minha miséria
Cubro em negro véu minhas dores
Ri a loucura sob a minha face séria
Silêncio:
Almas serão ceifadas
Para que outras,
Em fino vinho sangue,
Sejam perdoadas
Não mais tenho o que pensar,
Não mais tenho o que temer
O que mais posso pagar,
Por estar cansada de tremer?
Onde estão os outros,
Para onde haveriam de ir?
Será que caíram mortos,
Ou se cansaram de aplaudir?
A dor alheia,
Das janelas do mausoléu
É uma diversão verdadeira
Em ossos alheios, esculpir troféu
Desfilam os colossos
Em palcos de vísceras
E ganem os ratos nos fossos
E no inferno, almas míseras
Em baixo tom confesso,
Derramando sangue,
Por falta de lágrimas, verso:
“Cantos de miséria
choram retalhos de memória
Miúdos calados de alma
Contam minha história”
Desejo eu o pecado da carne
E também a ressurreição
Entregaria-me ao escarne
Por um pouco de compaixão
Desejo estar morta,
Ao passo que choro meu cadáver
Em loucura, estou envolta
Condenada, para quem quiser ver
Demônios, à noite,
Vêm-me falar
Já que os vivos, ao açoite,
Fazem-me calar
Deixo minha alma de presente,
Para quem dela, quiser abusar
Despeço-me solenemente
E continuo a versar:
“Cantos de miséria
choram retalhos de memória
Miúdos calados de alma
contam minha história”
Fecho meus olhos,
Enquanto as trevas não me vêm levar
Abrem-se meus lábios velhos
Enquanto sentem a morte entrar
Cessam as estrelas no céu
E os cortes entalhados
Cala-se a música do mausoléu
E nos meus lábios, os sorrisos forçados
Não mais preciso fingir
Para viver uma mentira
Não mais preciso sorrir
E esconder do mundo minha ira
Qual é o prêmio que levaremos
Por viver uma vida que não vive
Por que nos calaremos,
Diante à sina de sermos livres?
Para mim, não faz diferença
Ignorar ou, simplesmente, calar
Em mim, morreu minha crença
Pois meu anjo não vem mais cantar:
“Cantos de miséria
choram retalhos de memória
Miúdos calados de alma
Contam minha história”
Assim como contam
Meus restos espalhados
Assim como montam
Meus pedaços deixados
Minha trilha,
Minha vida na escória
Minha ira,
Minha inútil glória