"Faz escuro, mas eu canto"
T. de Mello
Sentado sozinho no escuro da sala sem sala,
contemplo a TV, que colore minha bílis sem cor.
Jeito alucinado e semblante distante de tudo,
conclamo meu canto confuso a dizer quem sou.
Sonhando sereno e estirado, num canto do sonho,
jazo, extenuado e rendido, sem riso e sem ser.
Dono dos danos e dores da vida,
dispo meu tédio sem dono e sem dom;
deito sem leito, e durmo acordado,
dançando drogado sem véu e sem vez.
Entregue discente à dor de dançante viagem,
engulo outra dose ardente de ar e cachaça.
O olhar destilado e o choro apresado no ventre,
desmaio no solo, onde sonho insone de novo.
Demente inibido e indeciso, degrau por degrau
vou descendo indecente a doce ladeira da vida.
Liberto das boçalizantes imagens TV,
maneio dormente minha mente carente de luz.
Fazendo de conta que canto este canto sem canto,
preencho minh’alma de paz e suposto sossego.
Brincando com versos videntes, respiro outra vida
com um ar de descanso em que finjo esconder os meus medos.
Erguido repente num esperto e tranqüilo tropeço,
resvalo em meu corpo enrolado no manto da sala.
Cabeça pesada e a alma vazia, me levo
pro vaso, onde vazo o intestino que grita sem fala.
Desfeito em fezes, urinas e prantos, rascunho
este canto de palavras bêbadas.
E minha mente drogada, real fantasia,
desvenda segredos da droga que é a vida (a minha).
Descrente de todos os credos,
e carente de alguma crença,
meu íntimo bêbado e ateu
encontra seu Deus,
derramando este fel,
disfarçado em poesia.