Des-per-ten-cer

Cada volta do relógio é um singela sentença:

A uma hora marca-se pelo cansaço

Por tanto cobrir feridas e odiar-se

A performance era para teu convencimento

Às duas, a trivialidade invade-me

Flúor, ressentimento, vozes e sombras

Meu corpo sem sal despatria-se de vez

E volta outra vez ao rigor do açougue

Às três eu ensaio argumentos hipotéticos

Fechando os olhos com toda a força

Que dessa vez os demônios me perdoem

Mas eu preciso inventar estímulos

Às quatro eu canto meus fracassos junto ao espelho

Bem na porta da nossa casa um risca facas

Minha memória corrompida contra meu esquecimento tardio

E eles usam meu corpo de ringue e eles usam meu corpo de bordel

Às cinco, um resquício de alívio

Vieses de Virgílio me levam pelos dedos

Até a fabulosa carruagem de Hermes

Indo do inferno até a doçura dos meus amores

Ali todos me amam, não há temor

Não há venenos me corrompendo

O tempo não acontece com vigor

A culpa não aperta mais o peito

Às seis o precipício engole meu fôlego

Amei os crimes da terra

Cadáveres entre minha língua

Eu mesmo derreto pela cidade

Às sete meus ossos rangem tão alto que eu acordo

Tento inventar pesadelos, tento costurar amores

Até lembrar que nutro minha própria antipatia

Consigo dormir enfim, por completa exaustão...

Pierrot Ruivo
Enviado por Pierrot Ruivo em 21/01/2023
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