Des-per-ten-cer
Cada volta do relógio é um singela sentença:
A uma hora marca-se pelo cansaço
Por tanto cobrir feridas e odiar-se
A performance era para teu convencimento
Às duas, a trivialidade invade-me
Flúor, ressentimento, vozes e sombras
Meu corpo sem sal despatria-se de vez
E volta outra vez ao rigor do açougue
Às três eu ensaio argumentos hipotéticos
Fechando os olhos com toda a força
Que dessa vez os demônios me perdoem
Mas eu preciso inventar estímulos
Às quatro eu canto meus fracassos junto ao espelho
Bem na porta da nossa casa um risca facas
Minha memória corrompida contra meu esquecimento tardio
E eles usam meu corpo de ringue e eles usam meu corpo de bordel
Às cinco, um resquício de alívio
Vieses de Virgílio me levam pelos dedos
Até a fabulosa carruagem de Hermes
Indo do inferno até a doçura dos meus amores
Ali todos me amam, não há temor
Não há venenos me corrompendo
O tempo não acontece com vigor
A culpa não aperta mais o peito
Às seis o precipício engole meu fôlego
Amei os crimes da terra
Cadáveres entre minha língua
Eu mesmo derreto pela cidade
Às sete meus ossos rangem tão alto que eu acordo
Tento inventar pesadelos, tento costurar amores
Até lembrar que nutro minha própria antipatia
Consigo dormir enfim, por completa exaustão...