O SONHO E A ESFERA
Ah,o gesto inconcebível
Nos estreitos corredores da mente!
Uma porta para além do infinito se abre
E deixa-me ver o nada.
Um martelo batendo o vazio
Repete o mesmo som exaustivo da tarde
E as pessoas vão construindo casas.
Eu nunca tive ouro para perder,
Nunca desejei a permanência de um sorriso,
Tudo pra mim foi real e prático,
nem a roupa que usei permaneceu.
Gastei em mim o que não tinha,
Tive apenas o sonho que me prendeu
Dentro de um mundo inventado.
Querem que eu seja o que não sei querer-me,
Qualquer outra coisa que não seja eu,
Ausente no que fui e era
Se o que eu era se me perdeu.
À reunião das casas chamaram cidade
E elegeram um rei e fizeram tábuas,
Escreveram leis e cortaram árvores,
Construiram parques e ergueram estátuas.
Havia uma estrada para o deserto,
Absolutamente havia um deserto
Aonde a mente não ousava.
E todos conheciam apenas ruas e placas,
Móveis de alvenaria e calçadas.
Eu estive uma vez além das palavras
E o deserto cresceu engolindo as casas,
Sob a areia do tempo ficaram as páginas
Do grande livro onde se reuniam reis e pastores.
Vi de perto a estreiteza da alma
Enquanto sumiam carros e estradas
Em um deserto invisível.
Mas bem no centro do vazio,
Ordenando o caos absurdo,
Crescia um menino e um abacateiro
E entre a planta e o homem havia
Uma liberdade ausente de palavras,
nela cabia um dia inteiro.
Ah,o gesto inconcebível!
Ligado a si mesmo continua
naquele homem a cidade...
Mas só ele sabe aonde acaba a rua.