O SONHO E A ESFERA

Ah,o gesto inconcebível

Nos estreitos corredores da mente!

Uma porta para além do infinito se abre

E deixa-me ver o nada.

Um martelo batendo o vazio

Repete o mesmo som exaustivo da tarde

E as pessoas vão construindo casas.

Eu nunca tive ouro para perder,

Nunca desejei a permanência de um sorriso,

Tudo pra mim foi real e prático,

nem a roupa que usei permaneceu.

Gastei em mim o que não tinha,

Tive apenas o sonho que me prendeu

Dentro de um mundo inventado.

Querem que eu seja o que não sei querer-me,

Qualquer outra coisa que não seja eu,

Ausente no que fui e era

Se o que eu era se me perdeu.

À reunião das casas chamaram cidade

E elegeram um rei e fizeram tábuas,

Escreveram leis e cortaram árvores,

Construiram parques e ergueram estátuas.

Havia uma estrada para o deserto,

Absolutamente havia um deserto

Aonde a mente não ousava.

E todos conheciam apenas ruas e placas,

Móveis de alvenaria e calçadas.

Eu estive uma vez além das palavras

E o deserto cresceu engolindo as casas,

Sob a areia do tempo ficaram as páginas

Do grande livro onde se reuniam reis e pastores.

Vi de perto a estreiteza da alma

Enquanto sumiam carros e estradas

Em um deserto invisível.

Mas bem no centro do vazio,

Ordenando o caos absurdo,

Crescia um menino e um abacateiro

E entre a planta e o homem havia

Uma liberdade ausente de palavras,

nela cabia um dia inteiro.

Ah,o gesto inconcebível!

Ligado a si mesmo continua

naquele homem a cidade...

Mas só ele sabe aonde acaba a rua.

Gilberto de Carvalho
Enviado por Gilberto de Carvalho em 08/12/2007
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