CÓRREGO
Vês ali defronte
a ribeira?
É a minha alma
levada por Caronte,
é minha caveira
recém afogada,
ribanceira abaixo
arrebentada,
ainda com o cabo
no pescoço,
com a pedra
no osso,
desfazendo dedos
na terra,
deslizando à cova
em tanta lama,
sepultureiro
da própria carcaça
que se engana
e todo dia refaz
a caminhada,
braçada por braçada
se afogando,
resgatada na rabeta
de Caronte,
desovada sem a paga
na ribeira,
vendo as luzes defronte,
ouvindo a gargalhada
do barranco,
cavando com a caveira
o sepulcro onde escarra
o coveiro
e se enterra por inteira
minha alma
tola, tosca e presa.
Se vê-la
agarrar os remos,
parta-lhe a caveira
ao fundo!