Tricofagia

É outono; a copa nua do arvoredo

Fidamente me remete à uma lembrança

Por possuir harmoniosa semelhança

Com a essência visual do meu segredo!

Pra entenderem a memória resguardada

E o porquê à comparei distintamente

Com uma fronde pelo outono desfolhada

Devo a tratar pelo viés de um doente!

Sofregamente dominante, a condição

Me pregnava da cabeça aos tornozelos

E à maneira de uma prensa em ação

Eu arrancava e deglutia meus cabelos!

Me comparava à um ilustre lavrador

Que na labuta meritória e corriqueira

Vai arrancando das gramíneas a toiceira

Para depois encaminha-la ao moedor!

A compulsão tem o poder de satanás,

A mesma força opressora do tinhoso

Que entre a dura obsessão do falso gozo

Nos leva sempre a querer cada vez mais..

Em meio à vômitos e dores excessivas

Um desconforto estomacal angustiante,

A condição e suas forças criativas

Me impeliram à um estágio horripilante!

E foi então que comecei a cobiçar

Num silêncio friamente monstruoso

Entre sombras de um anseio desejoso

Da minha esposa todo adorno capilar!

Aquela idéia em meu ser recrudescia

Então um dia, não podendo suportá-la

Logrando ver que minha amada já dormia

Fui contra ela e comecei esfaqueá-la!

Nove facadas, foram nove exatamente,

(Só um detalhe que em suma não importa)

Porém o ataque não foi muito eficiente

A infeliz estava queda, mas não morta!

Sua agonia impeliu o meu intento;

Ao seu ouvido exigi perdão por tudo,

E na ação de um transtorno violento

Pousei mordidas no seu couro cabeludo!

E que olor! À cada vez que mastigava

A ruiva ruma de pelúcia muito espessa!

E foi assim, até pelar toda cabeça

Da criatura que inda viva agonizava!

Tempo depois vendo que havia sucumbido,

Deixei-a calva numa poça de abandono

E hoje vendo o arvoredo assaz despido

Vejo que à ela fiz as vezes de um outono!

Moreira Júnior
Enviado por Moreira Júnior em 22/07/2022
Reeditado em 23/07/2022
Código do texto: T7565025
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