Jazz 1
i
A caneta é companheira da hora
Em que pesco versos; a tinteira
Soçobra e marca a folha: ei-la
Transformando meu silêncio em berros
Acaba por ser uma ignomínia
Pois mancha o papel e assim apruma
A acídia trazida com a espuma
Aos tijolos esperando na cancha
Que esperança haverá ao cozer se
A matéria prima que vai aquecer
Não é idônea, mas areia fina
Tijolos farinhentos, intento
Feito de tinta, perdido o alento
De oleiro, a fé na arte de entoar rimas (pescador)
ii
a culpa é minha: fio em pescar
peixes de barro num forno frio
e apesar da lenha abundar, rio
de minha inaptidão com os feixes
misturo tudo, termino bêbado,
confundo olaria com pesca, admito
cedo minhas mãos a um artifício
que a cabeça não conhece a fundo
rio sem a água, forno sem o fogo
cansaço? De onde vem esse agouro?
Destino não é brisa, é mormaço
O arpão está cego, a tinta seca
Fôlego? Há muito sumiu (deixa
Para parar, dica para o sôfrego)
iii
uma música, um encontro, uma vida
que ia perdida – mas nessa noite úmida
fica estendida – e ficar é estar lúcida
não digo lúcida, mas digna, viva
que alma tenho? Já não importa: é
vivendo que sigo e seguir já importa
é estar, é ficar, é o verbo que toca
o jazz da vida num belo crescendo
a ponta da pena, o atiçador traem?
Não! São objetos, os vivos bem sabem
- ou saber deveriam, já que assim tão
óbvio está o viver ( óbvio está p’r’o ser)
- mas quando sós vemos sóis dando a luz
Como heróis: só por prazer (viver)