PENTEAVA-LHE OS CABELOS GENTILMENTE
PENTEAVA-LHE OS CABELOS GENTILMENTE
Marília L. Paixão
Teve uma tarde
Uma manhã bem sem eira
Teve uma noite passageira
E um sotaque um tique taque
Teve um táxi
Teve um ônibus
Teve um lar
Teve um bar
E Mara se mandou
Ingrata!
Maldita!
Safada!
Depois chorou
Teve um mar
Teve uma falta de ar
Era cachaça em vez de água
Bebia para não se matar
Era o amor por Mara
Que se matou
Quando a sede secou
Mara não voltou
Se revoltou
Procurou por Mara
Jurou loucuras de amor
Disse que Mara
É que era a dor
Disse que amar
Era um desamor
Disse que beber
Não tinha valor
E nisso acertou
Mas daí a levar
Mara para o jardim
Enforcá-la com o capim
Enterrá-la mais viva que morta...
A mala da vida exposta
Era Mara sorrindo
Mesmo depois de morta
Capim e flores entre os dentes
O louco penteava-lhe
os cabelos gentilmente.
Mara...
Soluçava!
Mara...
Minha amada.
Acorda, Mara!
Espere-me aqui
Vou buscar uma fada
Que faça mágica!
Não abra-me Sésamo
Não deixe deixar de sorrir
Mara na estrada do sono
Que a dor eu levo comigo
Para o inferno do castigo
Por que foi fazer isso?
Precisava era morrer para tê-la?
Mas Mara disse que ia fugir com um jardineiro
Já não queria mais este pobre pedreiro?
Já não queria saber mais da nossa vida de pedras?
Só de pedra seria a vida sem ela
Por isso lhe enchi de capim
Para provar ao morrer do tal jardim
Que eu nunca teria flores para ofertar
Se eu pedra e Mara flores
Se Mara flores e eu pedra
Para que me abandonar?
Mara não sabia que ela era
o jardim do lar?
E se precisava de jardineiro
Este tinha que ser eu
Seu senhor pedreiro
Seu colocador de pedra
Sobre rosas
Funda cova
Funerário de mim
Fundidor de capim
Pedra sobre pedra
Pedra sobre Mara
Pedra sobre mim
Cimentado está o fim
Nem flores para você
Nem pedras para mim.