MOMENTOS PARA ENFRAQUECER A IRA
MOMENTOS PARA ENFRAQUECER A IRA
Marília L. Paixão
Queria um
Queria dois
Queria três
Talvez nada quero
Queria ver
Queria ter visto
Queria isto e aquilo
Nada disto
Nada que possa ser escrito
Disse o que quero?
Disse que é belo?
Disse que está feita a cama
Em que a lágrima derrama?
Nada choro
Nada imploro
Nada se edifica
Tudo complica
Queria andar e não movo
Queria correr e não corro
Queria voar e recolho as asas
Ninguém cisca em meu terreiro
Tenho um bico verdadeiro
E me pico, me acordo
Corto as asas do sonho
Corto as asas da sorte
Olho a morte
Olho o mar
Olho o rio
Não me sigo
Não deixo sombra
Não me assombro
Não te assombro
Não se assombre
Não se assemelhe
O conselho de segurança adverte
Não imite a ficção de quem não se diverte
Não imite o poema de quem sofre de febre
Não imite nenhuma loucura não tratada
Que tudo pode virar uma faca amolada
Destruindo almas plagiadas
O autor também adverte
Que copiar não diverte
E pior que crime
É não poder sorrir com a consciência tranqüila
Olha como eu sorrio quando crio
Quando choro
Quando olho
Quando entorno
Quando vejo
Olha que no meu dicionário não tem a palavra medo
Meu segredo é a casa das letras
Casa das letras
Minha casa tem quatro letras
Só meu coração muda de quantidade
Por causa de quem me lê
Já não vivo só para mim
Vivo também por você.
Você que sorrirá agora
Em busca de estio
As letras lhe acompanharão pelo caminho
Vá com Deus
E que lhe siga um dicionário inteiro
Que ele lhe faça um bem verdadeiro
Tomara que lhe siga um bem irado
Pois estou em chamas
Sequer grito por quem me ama
Estou me devolvendo para o retrato
Preto e branco
Branco e preto
Falado
Desenhado
Uma moça
Que tinha um riso fácil
Voltou
Apanhou
Segurou pela mão o sorriso
Levou ao lábio
Beijou
Sorriu de novo
Era dela
O sorriso
Olhou
Podia sorrir
Sorriu
Não se incomodou com nenhuma ira
Talvez tinha ido embora
com o que a pariu...
Sorriu
Sorriu
Sorriu.