O eu sol.

Látego sobre mim desabava o sol

Do Recife. Ia o ônibus vazio

E lívido o brumoso mar bravio

Cobria as pedras como um lençol

Era alta como a maré minha agonia

O verão alto e alto o sol sentinela

Viam minha face pela janela

Na mais profunda dissintonia

As ruas pareciam ao avesso

Éramos eu e o sol e o sol derretia

E do dia as cores convertia

Todas num grotesco amarelo espesso

Rua do sol. Parada dos peixes,

Obsidianico o Capibaribe escuro

Parecia pressagiar meu futuro

Contrapondo do amarelo os feixes

II

Ignoro o rio. Atravesso a rua,

Livro-me do sol a sombra dos correios

E invisível me sento em devaneios

No coração pleno da cidade crua

"A um inflamado símbolo femíneo

Vejo agora reduzir-se meu mundo

E Tormentoso o golpe profundo

Flui de seu formato curvilíneo

As especulações da dialética

A sabedoria proverbial de Salomão

E todos os tratados de Platão

Vencidos pela vã beleza estética

D'uma mulher com érebo olhar

Análoga d'alma a selada campa

Que profunda sepultura tampa

Aprisionando sem se importar"

III

Por entre as formações geométricas

Da enorme construção, a me perseguir

(Porque ele insiste'm sempre me extinguir?)

Desceu irado o sol em cores excêntricas

Oscilava d'um vermelho insólito

A um anomâlo laranja assombrado

Então rumei a limoeiro apressado

Combalido qual adicto alcoólico

A tarde já foi. Cheguei finalmente.

Posiciono um espelho a minha frente

E vejo em mim o sol transfigurado

Quebro-o com a força de minha mão

E nos pedaços todos pelo chão

Há milhares d'um eu desfigurado..

Anac Rocha
Enviado por Anac Rocha em 15/02/2021
Reeditado em 15/02/2021
Código do texto: T7185316
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.