Esquizofrenia e alucinações poéticas
Outrora uma criança fitava os despojos pérfidos do mundo ao penetrar a crueza de sua nudez cheia de ruínas.
Os pequenos olhos de sua infância solitária, enxergavam as múltiplas faces daquela vida que mostrava-se tão una aos olhos dos demais.
Tua visão penetrava os escombros
recônditos da terra, e ela se remoía com toda a miséria que habitava na cegueira que a circundava.
Com a tristeza que a embalsamava por dentro, a criança trancafiou-se em suas esferas imaginativas, perfumando-se com o aroma fantasioso que a sua cognição exalava.
E já não enxergavas o mundo como os outros viam, sempre inquirindo a realidade tal como se apresentava.
A criança preservava sua inocência através dum sono imperioso nos braços de Morfeu e com ele voava aos confins imaginários da introspecção.
Sonhavas em um sono mais real que a própria realidade, e se metamorfoseava em um casulo sórdido de ermos e frígidos pesadelos.
Tuas fobias fundiam-se na bruma prematura de quem se retrai para o mundo.
E quando ela despertava para o realismo turvo da vida; voava sob asas que não se sustentavam por entre a realidade mundana; tampouco eram enxergadas por quem as olhavam (...)
Teu rosto fervia por entre as chamas da timidez; e a criança se fazia de forno para universos assustadores. Eis que os seres pensados por ela, passaram a ganhar vida por entre o calor tépido de suas entranhas.
Certa noite, em meio ao negrume árido da insônia, ela pôde fitar a morbidez de sua criatura subterrânea.
E não eras o Ursinho Pooh com uma face horrenda? Alimentando-se compulsivamente das angústias hiperativas do teu subconsciente?
O mel que lhe era sorvido;
nutria uma amarga compulsão por vida.
E nas entranhas da criança polinizava-se uma magnólia desnutrida pela melancolia.
Desde então, todas as noites os personagens trancafiados em teus sonhos, emergem esfumaçados pelas anomalias do tempo.
E digo-lhe, caro leitor, que cada um encarcera uma criatura em seus neurônios fustigados, para que por fim, o parto onírico da noite dê à luz aos próprios centros cerebrais ocultos.
Hoje a criança ferida que buscava refúgio em sua imaginação, abriga-se em minhas sombras e brinca com pensamentos disfuncionais no porão empoeirado do meu inconsciente.
Esforço-me para integra-la a minha consciência, mas ela pulveriza-se quando tento alcança-la.
Guardo-a dentro de mim, e por vezes a vejo encolhida em meus olhos apáticos.
Por vezes esqueço que ela é a minha mais íntima hóspede, mas a gênese do desamparo volta a mostra-la nítida através das janelas fundas em meu rosto.
Ó criança aniquilada por sua fantasia inventada;
Tu que me amaldiçoastes com universos mentais tão sombrios. E faz-me enxergar figuras líricas
de maneira incessante.
Decodifico tuas abstrações em poesias feitas de sangue, para que pulses a vida dentro de outrem e para que reveles as runas que aprisionam os olhos humanos.
Enquanto não alcanço-te em meu colo; compactuo com as sombras que produzes tão expostas.
Soltar-te-ei ó filha do passado
por sobre a noite que lhe acolhe;
mas na áurea franja dos poentes, manter-te-ei em silêncio em teus monólogos fantasiosos.
- Letícia Sales
Instagram literário:@hecate533