A GRANDE TRAGÉDIA
“Noite de São Bartolomeu”
Foi numa noite cerrada
Que dum alto campanário
Da catedral de Saint-Germain,
Saiu lúgubre revoada
De toques em ritmo vário
Anunciando um sermão
E mais rezas de breviário.
- À vingança, à vingança!
Gritou logo a soldadesca…
Matemos o almirante!
Vamos todos sem tardança
Que a Catarina é fresca…
Venham todos. Tudo cante,
Belos salmos co´ a fradesca!
- Fora! Fora, ó Coligny!
À vingança… e é pra já!
Viva a grande Catarina
Que muita falta faz aqui!
Está raiando a manhã,
Nesta noite de má sina
A vingança já cá está!
O S. Bartolomeu já era,
As tabernas estavam cheias
E ninguém batia ao tino
Pois qu´ o corpo ensandecera…
O sangue corria nas veias
Co´ este grito em desatino
Que às almas tornou feias.
Pelas vielas, à luz da lua,
Soldados e populares,
Toda a cidade s´ amotinou
E a vingança desceu à rua.
Soçobraram lares e lares
A Cidade-luz se apagou
E calaram-se os cantares.
- Morram todos os Huguenotes!
Morram todos os farsantes
Que são a nossa perdição,
Cabeças fiquem aos pinotes…
Queremos paz, como era dantes
E vinguemos sua traição.
Morte, morte aos protestantes!
O Sena corre pressuroso,
Há muitos corpos a boiar
E as baionetas não se cansam
Com o seu bailado raivoso.
Salteadores a aproveitar
E até os mendigos s´ amansam
Co´ a luz da aura a brilhar.
- Afastem-se, vem lá Catarina
Que do povo é muito amiga!
Ela quer as coisas ver,
Em cada beco, em cada esquina.
E até, já há quem o diga,
Qu´ a tragédia lhe dá prazer
Ao ver o sangue e a intriga…
Nesta noite de Satanás,
Com o aval da Santa Sé,
Toda a gente se vai perder
Por falta de siso e de paz
E, na contradição que é
Dum Te Deum acontecer
Naquela Corte sem Fé.
No Dia de S. Bartolomeu
Todos os males do mundo
São um jogo decisivo
Entre a terra e o céu…
Belzebu é o mal profundo:
E antes ser esfolado vivo
Do que cativo, no fundo.
Tragédias e mais tragédias
Sabemos qu´ o mundo tem
Mas nunca deste jaez
Qu´ ultrapassa todas as rédeas.
Leis Divinas só o Céu tem,
O Inferno é já aqui, talvez
D´ alto do Céu nada vem.
A tortura gera tortura,
Devastando toda a terra
Com o fogo da maldade;
O ódio leva à loucura
Qu´ a alma humana desterra.
Onde está a Liberdade
Que toda a Virtude encerra?
Ó noite, noite sangrenta,
Noite cruel e intolerante,
Em bebedeira de Poder
Numa alma negra sedenta…
- S. Bartolomeu, confiante
Do vil demónio a conter,
És garantia triunfante!
Frassino Machado
In JANELAS DA ALMA