Amigo papel
Ah, amigo papel.
Quase uma outra persona.
Minha e de outros.
Contigo mato e morro.
Salvo e ajudo.
Mato quem não posso.
Morro quando quero.
Mas não devo.
Salvo quem queria.
Ajudo quem não pude.
Você recebe todas as minhas virtudes.
Reais e ausentes,
Imaginárias ou ordinárias.
Como também suporta meus erros e vícios;
Os cruéis, os banais,
Os constantes, os que vem e vão.
Piada sem graça de policial bandido.
Placebo* que cura com outra doença.
Ah. Amigo papel.
Seja como for;
De celulose,
Do celular,
Do computador,
Ou sem computar nada.
Tão inerte, move-se tanto.
Mexes tanto comigo.
És psicólogo, entrevistador, professor, fofoqueiro, pai, rival, terapeuta, massagista e ditador.
Até quadro negro ou branco.
Serves como baú de tesouro e vaso sanitário... sem descarga.
Saco de vômito para minhas viagens mentais e devaneios,
Minha obra de arte esculpida em letras de carne e ossos.
És pote de moedas e lata de lixo.
Espelho e abismo.
Agrada e me aborrece.
És confessionário e lápide.
Outdoor e carta de rejeição.
Publicas e vetas.
Tudo permites; tudo proibes.
E eu? Só palavras.
Existes por minha causa e és maior do que eu mesmo,
Pois carregas a mim e mais um monte de "eus",
Falsos e reais.
Contigo posso ser louco,
E tão são.
Tão eu,
Quase que como alguém também feito de papel.
Feito de papo, de eu,
De tudo, de nada.
Verdadeira falsa amizade de ventríloquo.
Melhor pior amigo que nunca tive.
*Placebo: remédio falso ou sem efeito usado para curas psicológicas.