Epopéia Juvenil (Sem Glória)

Piso o asfalto seco de acidentes

Inalo a fumaça semeadora de pânico

Despersonalizo cada eu em mim

Demoro algum tempo, tenho muitos

Sinto amanhecer sem poesia

O meu sol acorda mal humorado

Pão, café e Estadão pros outros, não pra mim

Caminha meu velho All Star

Carcomido pelos quilômetros

Radiohead no ouvido, ando mais e mais

Ao primeiro acorde de Paranoid Android

O barulho do progresso é suplantado

Já não ouço alarme nem bom dia

Penso no que pensar:

Condenar Josef K., finalmente?

Não, isso não é pensamento que se tenha...

Engov não adianta, deve ser tomado antes

Tenho Coltrane guardado na mochila, será?

Não, não combina com manhãs insípidas

A musica está no fim e eu chegando

E se chegamos eu e o final da música, concomitantes?

Coincidência?

Outra incursão pelo infrutífero...

Minhas chaves, tenho problema com elas

Nunca consigo abrir na primeira girada

O que já impossibilita a segunda

Entro pela porta dos fundos

Deixo-a sempre aberta pra essas emergências

Abro a janela do quarto

Deixo que o sangue de um novo dia

Corra-me pela vida, por veias e vias escusas

O dia está realmente lindo...

Ignoro a fotofobia.

Já não protelo o tempo. É hora de dormir.

São Miguel Paulista, 29 de Setembro de 1998