O CORSO DESAVERGONHADO

“Carnaval de 2019”

Passa e perpassa o Corso desavergonhado

Ele vai de rua em rua e nada o faz parar

É como neste Mundo o curso do seu fado,

Rodopiando como o vento sem cessar.

Passa e perpassa o Corso pela avenida

Esquecendo o povo as agruras da sua vida.

Ele esquece, se é que esquece, o seu desengano

E ouve os sons, e ouve os gritos, e ouve os ais

Embalados em festa, uma vez por ano,

E no fim, se houver fim, fica a chorar por mais.

Passa e perpassa o Corso, passa o Carnaval

E fica um travo amargo, triste e desigual.

Passa e perpassa o Corso, passam os figurantes

Representando o quotidiano como num palco,

Lembrando, em cada cena, aquilo que foi antes

Ou que é hoje ou depois e tudo sem desfalco.

Passa e perpassa o Corso, como brincadeira

E fica a lassa alma com lágrimas à beira…

Passam os bombos, as pandeiretas e os guizos,

E os Zés Pereiras, cabeçudos e serpentinas,

E os alegóricos e os Caretos e os risos

E as donas ou donzelas feitas columbinas.

Há música d´ arromba e danças tresmalhadas

Alegram-se foliões, p´ las praças e esplanadas.

Ele há folias, carnavais, onde há de tudo,

E nada escapa às suas loucas perspicácias,

Esfarrapam-se as mágoas, esfola-se o entrudo

Tudo pra trás das costas, venham as audácias:

As tristezas não pagam dívidas, nem misérias,

Nada como a alegria… tudo o mais são lérias!

Ele há Corsos e Corsos muito coloridos,

Cada um deles festivamente aparelhado,

E se alguns s´ apresentam muito divertidos

Há sempre um tal que é mais desavergonhado.

Não há terras sem Corsos e sem Carnavais

E não faltam idades nem feitios sensuais.

Como tem graça ver crianças a foliar,

Como tem graça ver os jovens a curtir,

E muita graça tem idosos a dançar

Na ingénua máscara enfeitada de um sorrir.

E enquanto tal se passa o qu´ é que o mundo vê?

Carnaval d´ hora a hora sem mais nem porquê…

Um Carnaval em pé de guerra em todo o lado,

Na economia, na justiça e no parlamento,

A banca, a corrupção, passeiam de braço dado

E o próprio Estado já não tem assentamento.

A Escola, a Educação, o qu´ há para dizer?

As crenças e os valores, ninguém os pode ver!

Associações, Instituições e Religiões,

As Belas Artes, as Letras e as Culturas,

Pelo meio delas proliferam os foliões

E nada os regenera das suas diabruras.

Quem deita a mão a tudo o que por cá se passa?

Será que o tempo cura toda a vinagraça?

Não há Corso como o Corso da Capital –

Conhecido com o nome de Geringonça –

Umas vezes certinho, outras de Carnaval,

Deixando por lá passar os “amigos da onça”…

Que se há-de fazer? O povo que lhe faça estudo

Para evitar que se transforme n´algum Entrudo!

A triste Humanidade encontra-se enfadonha

Pois lá de cima, à falta de fiéis receitas,

O Corso virou caos perdendo sua vergonha

Ficando os figurantes de almas contrafeitas.

Ó povoléu, ó povo, ó lúcido varão,

Onde se encontra a vossa Alma e Coração?

Perpassa, finalmente, o Corso das Palavras –

Palavras, mais palavras, fétido gorjeio –

Que o vento leva nas suas lufadas gradas:

De caretos e máscaras está o mundo cheio…

Resta-nos que um tal Corso seja democrático

À medida de um Mundo reles, mas fantástico!

Frassino Machado

In JANELAS DA ALMA

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 04/03/2019
Reeditado em 04/03/2019
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