A CONSCIÊNCIA (POEMA DE VITOR HUGO)

“A CONSCIÊNCIA”

(Tradução de Mário Faccini)

Caim, fugindo de Deus, carregando seus filhos,

lívido, desgrenhado, após mil empecilhos,

certa noite alcançou a paragem estranha

de uma enorme planície, ao pé de uma montanha.

A mulher fatigada e seus filhos exaustos

pararam a solver o ar em largos haustos.

“É melhor que se durma aqui” – disse ele, então,

e, apenas, não dormiu o assassino do irmão

que, sob o jugo atroz de temores cruciantes,

viu surgirem no céu dois olhos vigilantes,

que o fitavam por entre a escuridão noturna.

“É demasiado perto” – acordou, com soturna

voz, filhos e mulher, já mortos de cansaço,

e a fuga continuou, sinistra, pelo espaço.

Trinta vezes andou a vagar, noite e dia,

Pálido, a estremecer quando um ruído ouvia,

sem sono, sem descanso, emudecido e triste.

Até que viu, por fim, uma praia que existe

em longínquo país. “É seguro este abrigo.

“Fiquemos” – disse – “Aqui não pode haver perigo,

pois os confins do mundo alcançamos agora!”

E, ofegante, parou. Porém, na mesma hora,

Idêntica visão viu no céu desenhada...

Um temor sacudiu-lhe a carne amaldiçoada!

“Escondam-me” – gritou; e, ao formidável brado,

o bando circundou o avô alucinado.

Esse disse a Jabel, cuja estirpe ainda agora

Nômade caminha pelo deserto em fora:

“Estende deste lado o pano de uma tenda!”

E, enquanto procurava encontrar qualquer fenda

na muralha de lona, a meiga Tsila, linda,

como a aurora, inquiriu-lhe: “Ó meu avô, ainda,

vês qualquer coisa agora?” E apontando com a mão,

respondeu-lhe Caim – “Sim! Os olhos lá estão!”

Foi ai que Jubal, pai dos soldados, vendo

a angústia do infeliz, acalmou-o dizendo:

“É melhor se fazer uma muralha”. E, assim,

um brônzeo muro ergueu-se em torno de Caim.

“Inda os vejo! Inda os vejo!” – este, porém, lhe disse...

Depois falou Enoc: “E se alguém erigisse

um abrigo perfeito e dispusesse em volta

compacta multidão de torres como escolta?

Façamos uma forte e grande cidadela

e encerremos Caim conosco dentro dela!”

Então Tubalcaim, o ancestral dos ferreiros,

empregou nessa empresa os seus dias inteiros,

ao passo que os irmãos, pela planície em frente

vigiavam. E, ao encontrar alguém, barbaramente

atacaram , com raiva os olhos lhe vazando;

Levando toda a noite o céu trevoso olhando,

e, assim que viam nele uma estrela brilhar,

Lançavam-lhe uma seta, ansiosos de a cegar!

E a lona deu lugar a moles de granito

Presas com nós de ferro. O recinto maldito

ficou sendo um primor de cidade infernal,

desenrolando a sombra, além, de um modo tal

que em derredor reinava uma noite infinita;

da rígida muralha a grossura inaudita

somente uma montanha a podia igualar;

Na porta alguém gravou: “Vedado a Deus entrar”.

E a torre mais central, a mais fortificada,

Foi que elegeu Caim para sua morada.

“Ó meu pai! – disse Tsila – Agora certamente

te sentirás seguro!” E Caim, já descrente

e a tremer de pavor, respondeu: - “Maldição!

Ainda me persegue a maldita visão!...

Só me resta tentar o negro insulamento

de um tétrico sepulcro! O meu padecimento

há de acabar então! Nessa nova morada

ninguém mais me verá e não verei mais nada!”

E ei-lo, então, encerrado em um fosso, por fim.

... mas os olhos lá estão, a interrogarem Caim! ...

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“Consciência e visícula só descobrimos possuir quando nos dói”

(Stanislau Ponte Preta – “Sérgio Porto”).

Espanta-me hoje o número de pessoas, (aparentemente normais), que desavergonhadamente praticam ou expressam algumas opiniões que ferem de morte as boas virtudes humanas.

Bem tem razão o Papa Francisco quando disse: “o homem precisa recuperar a capacidade de envergonhar-se”.

Até porque, no círculo da vida, existe o presente (hoje) e existirá o futuro (amanhã).

O amanhã pertence aos nossos descendentes:

Já se perguntou “o que será dos nossos netos quando descobrirem que os avós eram canalhas ou coisa pior?”

Por essa razão compartilho aqui um velho poema, escrito por Vitor Hugo (o pai), em 1826, no livro “Vozes interiores” e que transcrevo do “Livro de Ouro da Poesia Universal”, Volume II, página 125/126, Editora “Ediouro” – 1964:

Obrigado pela leitura; fiquem com Deus.

Sajob, abril/2015 + 3