(Monólogo dum defunto)
Gargalhadas eu darei naquele dia
Que um anjo cairá pra me dizer
Que a vida que vivi foi fantasia
Que o destino escolheu-me pra morrer...
Digo logo que não há necessidade
Dum alado angelical vir me contar
Pois já sei da obscura e má verdade
Que um dia deixarei eu de amar...
Infinito não existe em minha mente
Muito menos na memória desse mundo
Que não age, foge, muito menos sente
O enxofre do crepúsculo imundo...
O pecado que um dia concebido
Destruiu da vida a pura eternidade
No pecado não queria ter nascido
Pra sofrer as conseqüências da verdade...
Mas sem jeito algum de expressar escolha
Vou vivendo minha triste ironia
Escondendo-me dentro dessa bolha
Ao embriagar-me em triste poesia...
Não reclamo dessa triste vida
Dessa ironia paradoxal
Pois a gargalhada não arrependida
Transformar-me-á angelical...
Talvez meu desejo esse seja
Criar asas e me transformar num anjo
Acabar de vez nessa peleja
Que a cada dia mais arranjo...
Me descubro e me perco a toda hora
Nas palavras, na conjugação verbal
Mesmo tempo que de dentro e de fora
Muito louco, muito sujo, muito mal...
Se entendo ou não, se faz algum sentido
Não importa, o que vale é que vivi
Se senti vontade de não ter nascido
Sinto muito, mas eu sinto que morri...