se vós permitis um bocadinho de melancolia
Se vós permitis a expôr um bocadinho de melancolia, dissertarei sobre
um sentimento que, ao menos segundo minha escassa experiência, dispõe de quaisquer formas gramáticas que o traduzam em poesia. É como fumaça de incêndio, daquelas volumosas e carregadas, que, quando em contato com as minhas paredes, me expande, mas não me explode. É o entardecer de uma noite longa, mal dormida, de ares gélidos, ruídos mundanos e assombrações inquietas . É a espera perpétua por um amor sem pernas, cego e surdo, que ainda se perdera pelo caminho e não consegue mais se achar. Se é que ao menos o intende. Para o poeta, algumas sensações só desgrudam à marteladas, daquelas selvagemente brutas, nas beiradas de memórias inóspitas, até o descolar de descontentamentos sórdidos. Método dolorido esse, em que o agredido é seu próprio agressor, juiz e ainda curandeiro. Já vi o chamarem de poesia, clamaram-no até de tortura noutra manhã dessas à fila do pão, não lhes contesto no entanto, têm razão. Mas como ei de apartar esse consterno todo, se peco ao revirar um mar de sílabas, vírgulas, vogais, consoantes e ainda assim não encontrar, uma harmonia semântica de palavras que vertessem tal sentimento em poema, poesia ou tortura… Sei somente das promessas, dos desejos adormecidos, das pálpebras cansadas, do peso absurdo que é viver. Meus pés se arrastam