Desajustada

Querido Universo,

Esta noite, encarando minhas unhas roídas

Com olhos cobertos de maquiagem borrada

Não preciso de terapia para admitir

Que sou desajustada,

Revoltada, filosófica e errada

Que nunca serei quem quero ser

Nem aquilo que esperam de mim

Viverei para sempre presa no limbo

Admirada, odiada, ignorada

Mas nunca realmente amada

Esta noite, remexendo em meus cabelos descoloridos e recoloridos

E desamarrotando roupas que guardam em si todos os estilos

Mas não representam nenhum

Não preciso de pílulas ou xaropes para admitir

Que nunca seguirei um padrão de beleza

Não me curvarei às regras estúpidas da moda

E não andarei por aí com postura impecável como uma Barbie

Todos os olhares direcionados a mim gerarão tragédias

E, se eu retirar minha máscara

Meu rosto infectado de manipulação começará a sangrar

E a primeira alma corajosa nas redondezas

Puxará o gatilho abatendo a aberração

Esta noite, xingando meu reflexo no espelho

Enquanto arranjo uma vassoura

Para juntar os caquinhos do meu coração partido

Não preciso de hipnose para admitir

Que nunca encontrarei meu lugar

Que nunca satisfarei minhas ambições

Que meu futuro pode ser frio e solitário

Porque o calor derrete e a comunhão gera despedidas e a saudade enfraquece

Porque é desumana a humanidade

Em um ser humano que tem medo de ser humano

Esta noite, as palavras me sufocam

Como uma camisa de força

Porque posso dar uma volta ao mundo com meus pensamentos

Mas meu coração continuará vazio

Somos senhores de nossas decisões

Mas escravos das consequências

E de todos os clichês em que tropeçamos no caminho

Talvez os motivos para mudar me esperem em algum lugar do horizonte

Mas é mais fácil afundar num lugar frio

Onde posso cear com meus demônios ao invés de enfrentá-los