Espelho

Já não sei mais quem és, criatura ordinária que vejo todos os dias.

Não sei por qual motivo encontro-te jogada, abandonada

olhando aquilo que já foi um dia.

Não sei por que fazes questão de lembrar

se aquilo te destrói.

Não sei por que diabos tem essas correntes e não quer se livrar delas,

se só o que te fazem é sofrer.

Não sei por que a essa altura da vida

fazes questão de viver num mundo normal

mas sempre busca teus abismos e infernos pessoais.

Não sei por que isso que tanto reclamas e te faz gritar

lhe dá prazer nessas noites infames, desumanas e sofridas.

Devem ter restado migalhas

daquela alma estripada, estraçalhada, esmigalhada

essa que fazes questão de guardar.

E queres se encher de abrigos,

daqueles que não são seu lar.

E nunca serão.

Tento descobrir por que procuras salvação

se a salvação está em ti.

Está mesmo tão preocupada,

mas tão preocupada,

a ponto de querer se consumir?

Será tão anormal assim, ser normal?

Temes tanto ser ordinária, que virou ordinária.

Tenta não errar, e erra por tentar não errar.

Será que de todas as tuas dores, torturas e conturbações, são por medo de viver e ser quem realmente és?

Será que essas lutas que tanto te orgulham, não são problemas criados por ti,

e se tornam desnecessárias?

Então saia da frente do espelho.