AMELIE - PT2

sexta feira, 14. Acordei sem despertador, às 10:16 da manhã, com o celular tocando bem no meu ouvido. “A…lô?” “Bom dia, !” A voz era familiar, doce, linda. Era Amélie. Ela perguntou porque eu ainda não estava na casa dela, e eu não soube o que responder. Obviamente, corri ao encontro de Amélie Hoods. Amélie morava num prédio parecido com o meu, pequeno, de apenas dois andares. Subi pelas escadas e cheguei na porta do apartamento. A porta era branca, cheia de desenhos feitos com tinta preta. No topo da porta estava escrito “Amélie.” Eu não contive um sorriso. Não conseguia compreender o quão louca aquela garota era. Toquei a campainha e esperei. Exatamente treze segundos depois, a porta abriu, e do outro lado estava Amélie, com um conjunto de moletom cinza, e uma meia com um desenho do mickey. Ela deu um sorriso tão grande, que eu pude ver todos os dentes da sua boca.

Amélie me convidou para entrar, de um jeito característico dela: agarrando a minha mão e puxando. O seu apartamento era diferente de tudo que eu já tinha visto: pisca-piscas e desenhos com tinta preta enfeitavam as paredes brancas. Era um lugar pequeno, mas muito aconchegante, me lembrava o meu próprio pedaço do mundo. Passamos horas conversando.

no mês seguinte. Amélie me ensinou a fazer café, reproduziu gritos de orgasmo às 7:30 da manhã na minha cama. Me levou pra conhecer Paris. Eu odiei Paris. Amélie amou paris. Eu amei Amélie. Dissemos eu te amo pela primeira vez, colocamos um cadeado com o nosso nome escrito em uma grade na passarela mais movimentada da cidade. Pintei a minha porta de branco e desenhamos com tinta preta nela. Decorei os quinze primeiros números de PI. Adotamos um cachorro, contamos as estrelas do céu, durante uma noite inteira. Assistimos a cento e quarenta e dois filmes e Amélie chorou em cem. Aprendi à escrever o nome dela com a mão esquerda, comprei um moletom de casal. Tentamos vestir o moletom de casal. Caímos no chão. Quebrei um braço em uma competição de bicicleta na chuva. Saímos pela rua, pedindo para todos escreverem no gesso do meu braço. Aprendi a tocar violão, e fiz uma música pra Amélie. Tiramos fotos em novecentas e trinta e cinco poses diferentes. Descobri que o seu all star imundo guardava os pedaços do mundo em que ela pisava. A pedi em casamento, ela ficou de pensar. Os dias passaram e ela foi ficando diferente.

três meses depois. Amélie foi embora. Disse que cansou de mim, e foi. Só foi, sem aviso prévio, sem seguro de vida. Sem devolução dos sentimentos depositados, sem apagar os desenhos da minha porta. Amélie foi embora, levou o cachorro e deixou a dor aqui comigo.

agora. Não tem mais Amélie, não tem orgasmo às 7:30 da manhã, não tem café com leite, chocolate e chantili, numa caneca de cerveja, com uma cereja em cima. Não tem all star guardando pedaços de mundo. Tem café frio misturado com saudade, uma porta com desenhos desbotados e um sofá azul.

leandro egidio
Enviado por leandro egidio em 10/08/2014
Código do texto: T4917440
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