Cena de Ódio 2

Odeio quando abro a janela ao acordar,

E deparo com um mar de gente a trotar,

Pela rua abaixo, pela rua acima,

Cientes da sua bestialidade ouvem-se zurrar,

São esgoto a céu aberto a caminho do mar,

Uns em baixo, outros por cima,

Como odeio ter a eles de me juntar,

Como é possível com eles ainda me desapontar,

Odeio a plebe porque é acéfala,

Odeio os doutores porque andam de mala,

Odeio os drogados porque cheiram mal,

Odeio a novela porque não é semanal,

Odeio horários de partida e chegada,

Odeio os filhos da madrugada,

Odeio mulheres brutas e sensuais,

Odeio os filhos delas como tais,

Odeio a velhice senil,

Odeio a juventude febril,

Odeio uma criança com uma pomba branca na mão,

Odeio comemorar os laços eternos de união,

Odeio as montras da vossa tentação,

Odeio as vossas conversas de café e perversão,

O vosso pecado original foi não terem todos morrido ao nascer.

Lx, 8-12-1996

Paulo Gil
Enviado por Paulo Gil em 14/06/2014
Código do texto: T4844674
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.