Cena de Ódio 2
Odeio quando abro a janela ao acordar,
E deparo com um mar de gente a trotar,
Pela rua abaixo, pela rua acima,
Cientes da sua bestialidade ouvem-se zurrar,
São esgoto a céu aberto a caminho do mar,
Uns em baixo, outros por cima,
Como odeio ter a eles de me juntar,
Como é possível com eles ainda me desapontar,
Odeio a plebe porque é acéfala,
Odeio os doutores porque andam de mala,
Odeio os drogados porque cheiram mal,
Odeio a novela porque não é semanal,
Odeio horários de partida e chegada,
Odeio os filhos da madrugada,
Odeio mulheres brutas e sensuais,
Odeio os filhos delas como tais,
Odeio a velhice senil,
Odeio a juventude febril,
Odeio uma criança com uma pomba branca na mão,
Odeio comemorar os laços eternos de união,
Odeio as montras da vossa tentação,
Odeio as vossas conversas de café e perversão,
O vosso pecado original foi não terem todos morrido ao nascer.
Lx, 8-12-1996