O ÓDIO AMADO
Por que você me odeia?
Por que gosta de pisar
Em tudo que acho bom?
Por que maltrata quem
Quis ser bom contigo?
Se peço água dá-me fogo,
Se falo tese tu antítese
Se te abraçar é meu intento
Pedra em poço de lava
me derrete o sorriso
Como sorvete ao sol,
de passagem me fitas
Com teus olhos de seda fino
Vejo da tua alma
Teu enorme ódio
Que não se consome
Não apaga, tão intenso
Reduz meu coração de pedra
Ao pó da terra queimada
Invadida pela chuva de lágrimas
Derramadas de inteiro gole
Que tomo num copo
Me perguntando
Porque me odeias
Se te amo e de te amar
Me odeias tanto antes
Fosse pra me matar
Entretanto cuida de mim
Com prazer indescritível
Na cadeira de rodas
Na qual prendeste minhas pernas,
No pé da cama amarrada aos meus pulsos
Untando sobre meu corpo
Cera de vela quente
Destroçando cada osso
Palitando os dentes
E eu não sinto nada,
Nada sinto, sorriso espelhado
No sonho cruel retrato
Quando penso que ficarás
Dá-me beijo seco
E some por semanas
Deixando pra trás
Minha pele fervendo
E essa pergunta funesta
Que nunca responde:
Porque tanto me odeias?
Rodopio entre ruas
Procurando no silêncio
A palavra que disseste
O temor de tua voz
Revoltosa e potente,
Corro, fumo, bebo,
Cães ladram em cada esquina
E quando acabado me entrego
Eis que apareces,
Carrega-me em teus braços
Banha-me com sal grosso
Chacoalha meu cérebro
Aquece meu peito
Reerguido de vontade
Que é amor sem ser amado,
Folha caindo da árvore
Nestas circunstâncias inexplicáveis
Do teu ódio inviolável.
Hoje já nem me pergunto
Já não discuto, nem amo
Ou sequer me importo;
Mas ainda incomoda
Sentir teu ódio a distancia
E negar teu brinquedo
A mão escrever
Que não te quero mais ver
E sentir no fundo a verve
Do teu bem-mal viver
E querer-te tanto
A ponto de me perder
Nas vias do teu acesso
Nunca mais retroceder!