Confissões ao Relógio II
Olho-vos, ponteiros grandes e precisos.
Não são garras a contar o tempo, mas poderiam ser.
Bizarro, inaudível e presente, tilintar.
Olho os ponteiros de um tempo que corre e não passa.
Olho sepulturas e sepulturas de verdades
em cada par de olhos, arregalados e cegos atravessando a rua.
Olho-vos, ponteiros grandes de um relógio que ora zomba, ora chora.
Conta-nos os dias, as horas de agonia, os minutos de prazer... Os anos de marcha.
Empurramos a vida com a barriga. E vida nos empurra.
Move-se tão friamente que no começo até parece lento. Depois, e no fundo, cruel.
Eu passo e tu ficas. Outro de mim, e mil outros ficarão.
A história fica - teu lembrete e tua faca mais fiel.
E tu corres tanto e ainda assim... ficas. Tempo de angústia.
Eu e tu, ponteiro, esperando dias melhores
ouvimos este miserável som de tic-tac
nos lembrando a cada segundo
que nossas vidas nunca foram livres.
Olho-vos, ponteiros grandes e precisos.
"- Nossa face, Drummond, está perdida em tantas outras.
Espelhos de nós mesmos.
Olhamo-nos e não nos vemos."