JOÃO E MARIA
Maria era João
João era Maria
João assim vivia
A vida de Maria.
Maria forte e violenta
João sensível e carinhoso
Maria ríspida e corpulenta
João tísico e voluptuoso.
João prometeu-se
na primeira oportunidade
pra uma moça pobre
que colhia trigo nos campos.
Maria viu tratar-se
da moça que a noite
se vendia por queijo.
Demoveu-lhe de sua ilusão.
Desde então passara a ser frio.
Maria culpou-se e pra ajudar o irmão
lhe trouxe as vadias
que tão bem conhecia.
Tiveram então uma noite
que esgotara a vida de João.
Pediu pra Maria assim:
“Vive por mim, vive por mim
tem minha gratidão.”
Maria enterrou-o no jazigo
perto das flores de acácia
e viu-se terrivelmente só
como nunca estivera até então.
“O que vai ser de mim” pensou Maria
sem meu querido João?
Tateou por algo na casa
que não tivesse o jeito de João:
os vasos de flores secas,
as pedras coloridas dentro dos copos
vazios... Vazia era Maria
como tudo no mundo masculino:
seus trajes, seu fumo, seu corpo
transparecia a figura doce
do seu morto e delicado irmão.
Maria queria pegá-lo do céu
tirá-lo lá daquele paraíso
por puro egoísmo
e medo de tudo que sentia
Procurou no mundo uma magia,
nas trevas algum caminho
e por entre pedras e espinhos
foi perdendo sua veia masculina.
Penteava os cabelos, batom nos lábios
enquanto caminhava procurava
imprimir um novo passo
diferente daquele que andava
Foi quando percebeu ter um corpo seu
e os prazeres dos quais lhe resultava
não requeriam nada mais do que especulava
durante seus devaneios de emoção
Seu coração encheu-se de luz e pensou:
Como então meu irmão me amou!
Deu-me sua vida para que eu descobrisse
A beleza que antes de mim existisse
Foi-se embora como figura celestial
Expurgado daqui pelo mal
Do bem maior que nunca fizera
Flagelar-se por esta matéria!
Uma luz envolveu-a e não estava mais só.
Desapareceu no décimo quinto
Aniversário de morte de João.
(Do Livro “Suicídico”)