Dispersos
Quando houve o silêncio
Era o outono das palavras
Gestos desenhavam sentimentos
Ventos os levavam para longe.
Quando houve o silêncio
As folhas amarelas e semânticas
Esparramavam-se pelo chão
E ruidosas atrapalhavam a comunicação.
Quando houve o silêncio.
O ritual dos olhos percorria corpos, animais e paisagem.
As mãos frias suavam nervosas.
Era o impasse diante o segredo.
Decifrar o segredo, um desafio cotidiano.
E doloroso.
E se a mágica não se repetisse?
E se o encanto se acabou?
Somos apenas reles e mortais.
A morte nos brinda com estranha eternidade.
Ficaremos em cada coisa que tocamos...
Em cada palavra pronunciada...
Estampada na parede da sala...
No colorido das roupas...
no varal de roupa a flamular a corrida do tempo.
O tempo que a tudo evanesce
Estaremos presentes na ausência
Sentida, pressentida e esquecida.
Em nossos passos restaram nossas esperanças...
Em nossos escritos jazem
gritos sussurrando socorro...
ou simplesmente pedindo atenção.
Humanizamos tudo o que tocamos...
Coisas, animais, sentimentos...
Minerais, raios e satélites...
Giramos em translação e rotação.
Amarramos no cais os navios...
E soltamos as almas nos corpos...
Estranha nave decadente
Que a cada ano se depaupera.
Ossos se fragilizam.
Peles enrugam.
Cérebros pifam...
Inexplicavelmente a memória
ressuscita estórias guardadas...
Como um segredo tardio.
Quando humanizamos muitas coisas...
Morremos.
Deixamos de existir concentrado...
Para permanecer dispersos e ao acaso.
Dispersos, eternos e imprevisíveis.