Companheira
Como podes ser meio e fim,
Contrariando as afirmativas de que essas coisas são distintas?
Como podes ser espelho e gravura
Na qual te esculpes e olhas a ti mesma
Numa simbiose andrógena e nem sempre feliz?
Como ser companhia e objetivo
Se estes papeis quase nunca se confundem
Sem prejuízo de uma das partes?
Como ser atriz e personagem
Sem que se contaminem essas entidades?
Mas, tu és assim, poesia:
Geras tua própria energia
Usando as águas da inspiração que rolam em mim
Após romperem a represa dos meus remansos estagnados
Pintas, oportunista, a caricaturas de pensamentos;
Rascunhas garranchos nem sempre inteligíveis
Das alucinações que me povoam
Pretendendo captar fantasmas de sonhos
Como painel de eloquências desconexas
Numa parceira surreal das abstrações que considerastes representáveis
Eu sou apenas usado por ti
Como um anacrônico e limitado instrumento de tua sacrificada existência
Pelas minhas mãos sofres as agruras dos nascimentos,
As punições e penitências da sobrevivência,
E a incompreensível insistência de não querer morrer
Sem que consideres haver cumprido algum papel
Determinado por algo misterioso
Mas, eventualmente, frívolo.