Tempo nublado dentro das gentes

Tempo nublado dentro das gentes.

Aquela chuva de exaustão percorre

o corpo, encharca a roupa, deslizando

pelo sobretudo de couro surrado.

Piso na poça funda com umas vontades primevas,

fico desejosa de me molhar inteira,

mas eu não consigo sentir o gosto da chuva.

Fico tanto tempo parada na água

que minhas mãos incham e reclamam...

Fico temerosa do tempo que passa

toda vez que alguém atravessa a rua.

Um gato fluorescente vem, perdido,

mas eu sei que ele é um dos meus,

um querido das margens mais sujas.

Ele se senta sério ao meu lado

com o rabo balançando, inquieto,

e eis que ficamos ali ronronando

de olhos bem fechados...

Acho que pensamos demais

sobre os mesmos assuntos e fardos.

Em meio a tudo isso, me pego observando

as gotas pesadas escorrendo

pelos nossos fios tão bagunçados...

Falamos tanto com nossos silêncios,

que a chuva emudece de tempos em tempos

para ouvir nossa troca de palavras que não existem...

[...]