Invasor de corpo

Este demente
em meu peito abrigado
que se diz meu “coração”
não me pertence.
Nem sei de onde vem,
vem do “desalém”.

Ouçam bem:
do que ele apronta sou apenas vítima,
sou inocente.
 
Este coração não sou eu,
não é meu.
Machuca-me qual carrasco.
É um impostor,
de meu corpo um invasor.
O meu original herdado de mamãe
roubaram-me na maternidade.
Falso, até que se comportava na tenra idade.
Mas bastou chegar à maioridade
para expor as suas vaidades,
todas contrárias às minhas vontades.
 
Com seu poder de sedução
vai me levando na lábia,
e eu indefeso ante a sua chantagem
o obedeço a contragosto.
Quando quero algo só meu,
rouba-me a coragem.
É imperativo e dominante.
Voluntarioso e pedante.
 
Sua tática é me confundir.
Nem sei mais o que é mentira
ou o que é verdade.

Caro lente,
sabe como hoje eu chamo o meu pobre peito?
Ninho, ninho da cobra.
Depósito de ovos,
ovos de serpente.
 
Entrei na justiça e pedi sua expulsão.
Mas ele se faz de vítima
e comove a juíza e toda a audição,
que em coro diz: “Ohhhhh!!! Pobre coração”.
 
Não sei mais o que fazer.
Já pensei até em suicidar.
Estou mal, ao léu.
Se nele a estaca cravo, cruel.
É em mim que a dor vai atinar.
Tento me vingar,
correndo até a exaustão,
falta ar em meu pulmão.
Ele ri de mim e me chama de bobão.
 
Quero meu coração original
que ganhei de mamãe.
Mas na maternidade registro não há mais:
“queimou-se no último incêndio”.
Depois de ouvir isto minha esperança se desfaz.
 
Sabe o que ele tem me aprontado?
Sai para beber com uma tal de “Paixão”.
Saem por aí abraçados.
É só eles combinarem que sei que vou me ferrar.
Dupla explosiva, fecharam um pacto.
Se acham os tais,
também o corpo não é deles,
a dor de cabeça não é neles.
Só querem me usar.
Arrumam confusão...
Eu levo a culpa e pago o pato.
 
Resignei-me e agora estou esperto
(não adianta lutar).
Quando eles saem para beber e dançar,
abraço os dois e saio atrás,
e que se dane o resto.


 
(imagens obtidas da internet)