Breve fresta na noite do caos
Como reconstruir tudo de novo, com tanto escombro e entulho aos montes na porta, meia bagdá destroçada e tantas idéias desordenadas, se só tenho a pá pequena da fé e a luz escassa do novo de novo como lenitivo?
Como reconstruir o que ruiu, o rio sem água, o ar sem oxigênio, se só tenho a insônia, alvoroço, desassossego e o sol distante, se vejo apenas barracos sobre barracos, lixo no córrego e crianças grávidas descalças, mãos estiradas?
Como vou falar tranqüilo, se esperança é uma receita que já não avio. Fazer vento, organizar o povo, construir a galinha que vai botar o ovo, se há dilemas irresolutos, o País de luto, sem luta, bruto, no juros? Escrevo com dedos sangrando. De novo.
Como extrair sensatez no caos, com o carimbo de insano na testa. Recolho cacos de gente pelo chão, entre a poeira radioativa e a ativa inércia que permeia tudo? Há idéias em estoque nos livros de história e de nada valem mais tantas páginas e excesso de luz no fim do poço, se há apenas o osso duro no almoço.
Como fazer de tudo um só fecho, facho na escuridão, se só tenho ao meu lado uma orda de desesperos e a espera dos séculos, gente banguela que quer dente por dente e na mala a dúvida, a dívida? Dividir a dor é só alívio momentâneo.
Quem dera ser ontem hoje. Amanhã é uma manhã serena que já não se sabe se nasce. Fazer o plantio antes da pedra, urge, antes da chuva ácida e da lucidez extrema, pois tudo pode ser tarde, mais um pouco.