O CONDUTOR DE ALMAS
Tudo em minh'alma é solar sidéreo
Com certo anseio das saudosas vidas,
Morrendo aos poucos em sono etéreo,
Como o Mistério dos suicidas!
Tudo vai em lágrimas de tristeza,
Em olhos viáticos de mendigo,
Vai e leva a luz em sua correnteza,
No vôo do Pássaro ao qual persigo,
O cadavérico condutor
Das almas funébres, condenadas
Às profundezas da imensa dor,
Por nunca terem sido amadas...
Pois o amor é mitologia avérnica,
Proposta aos anjos pelos demônios,
No estranho incesto da luz nirvânica
Em rituais sacros de matrimônios!
Vago através das sombras noturnas
Dos astros pálidos, moribundos,
Despejo as cinzas da alma nua em urnas,
E espalho-as pelos mares profundos.
Vago, sonâmbulo, um morto-vivo
Por entre vivos e mortos caídos,
De aspecto tão cruel quanto aflitivo,
Desfigurando-me em ais sofridos!
Em meu caixão, flagelo dos ossos,
Durmo meu sono denso, letárgico,
Sobre os pungentes espinhos grossos,
Em meu momento carnal mais trágico!
A agonia e a angústia agem como o açoite
Repreensivo do cruel verdugo,
A corromper-me noite após noite,
Como se fosse o meu eterno jugo!
Passa por mim a velhice anciã
De um corpo estranho, sombrio, defunto,
Deixa na cova a matéria vã
E leva o espírito opaco junto!
Passa também o vulto em mortalhas,
Por entre etéros sinais de luz,
Com brilhos foscos, frios, em migalhas,
Vai o vulto ao encontro do que o conduz!...
Busco os jardins siderais do Oriente,
Por onde passam as formas vagas,
Banhando em neblinas diluentes
Os seus perfis nus de faces magras!
Logo aproxima-se a escuridão,
E faz fronteira em meu caminho,
Causa em mim brusca devastação,
Enquanto o Pássaro alcança o ninho...
E eu, alma assustada, entregue ao Anjo e ao espaço
E à Esfera alada e estranha dos sonhos,
Descanso, morto, do meu cansaço,
Sobre astros fúlgidos e tristonhos!