COGITAÇÕES NOTURNAS
Cismava à noite em trevas, deambulando
Por plagas solitária e compridas,
Tentando ocultar as minhas feridas
Da matilha de cães que, à lua, ouvia, uivando.
O destino acusava-me o temor,
Enquanto me assombrava a sobra esquálida,
Ia cimando e era uma imagem pálida
A presenciar toda a minha dor!
Doíam-me os pés no par de sapatos novos,
Mas seguia sempre em frente mesmo assim;
A estrada parecia não mais ter fim,
Ia a caminhar como a pisar em ovos!
Estava só, mais do que o de costume,
E era o indivíduo bêbedo e bastardo,
Doía-me os ombros do peso do fardo,
Enquanto a luz se esvaía junto ao perfume...
Havia a peste a espalhar pelo ar o vírus
E o diabo a reclamar a alma dos homens,
Enquanto escorria o sangue dos abdômens
Atingidos por tiros e mais tiros!
Havia a peleja entre os heterogêneos
No epicentro do meu cérebro abstruso,
A obssessar-me qual demônio intruso,
A lacerar-me o corpo e a alma homogêneos.
A noite aprofundava-se em meu olhar,
Como flechas banhadas em veneno,
Disparadas por um arqueiro obsceno,
Com o vil intuito de ver-me sangrar!
Sofro acessos de tosse, escarro sangue
Sobre os meus ossos frágeis e reumáticos,
A noite representa atos dramáticos,
Quanto me dói o corpo velho e langue!
Eis que rompe em mim o raciocínio,
Como um raio a abrir covas na terra,
E nas cavernas do meu crânio encerra
A decadência da raça em declínio!
Vinham-me à mente em hórridos lampejos
Pesadelos noturnos, ânsias, medos,
A noite sussurrava-me os segredos,
Soprando-os em solenes murmurejos!
Via com horror nas trevas abissais
Tanto infortúnio e tantas desgraças,
Que acometiam sem dó todas as raças,
Ferindo-as em seus centros cerebrais.
Via homens incompreendidos e infelizes
A embriagarem-se, ávidos de gozo,
Na tentativa do prazer gozoso,
Nos braços sensuais das meretrizes.
Via gestantes parindo filhos mortos,
Frutos aprodrecidos, putrefatos,
Mulheres vitimadas por maus-tratos,
Crianças condenadas por abortos!
Via, em suma, a humanidade miserável,
Cavando sem descanso a própria cova,
Numa promiscuidade de alcova,
Cavando a própria cova deplorável!
Via a mim mesmo, um cadáver quotidiano,
Descarnado e com os ossos expostos,
A hiante alcatéia hostil estava a postos
A espreitar-me com o olhar medonho, insano.
Ouvia a sinistra sinfonia dos charcos,
Horríveis vibrações estridulantes,
Romantismos incestuosos dos amantes,
Que em meio à névoa, passeavam em barcos.
Não ouvia nada mais do que uivos tristonhos,
Nada mais do que queixas e murmúrios,
Não havia nada mais do que anseios e augúrios,
Nada mais do que ruínas em meus sonhos!
Paria conceitos, abortava idéias
Em meu sonambulismo inconsciente,
Infortunada e desgraçadamente
Iam-se rompendo os elos das cadeias.
Sentia aproximarem-se os fantasmas,
Que antes supunha serem almas mórbidas,
Avançavam por sobre plagas sórdidas,
Um esquadrão de espectros e ectoplasmas!
Avistava à distância negros vultos,
Silhuetas espectrais a vagar juntas,
Como visagens de velhas defuntas
Que blasfemavam heresias e insultos!
E com os ossos à mostra, horrorizava-me
A canhestra carcaça cadavérica,
Lembrava-me a mulher enferma e histérica
Que, em criança, em meus sonhos assombrava-me!
Arrepiava-me os cabelos todos
A sinistra visagem derradeira,
O sorriso macabro da caveira,
E os esqueletos que se erguiam dos lodos!
E eu, surpreso tanto quanto atônito
Com a vil miséria do meu corpo frágil,
Sofria os graves espasmos do contágio
Que faziam-me esguichar golfos de vômito!
Cuspia por toda a parte o horrendo esputo,
Escarrava um rançoso e acre catarro,
Férrea seqüela de mais um cigarro,
Desenlace cruel do último charuto!
Prosseguia sem saber se ao Sul ou ao Norte,
Minha fiel sombra e eu íamos sós os dois
Convictos de que a vida é inútil, pois
Nada é capaz de superar a morte!