A lição do velho

Houve tempos em que ela estava solta

Descia e subia do alto meu esôfago ao fundo do meu nauseabundo estômago

Estraçalhava todo e qualquer indício de paz que encontrava pela frente.

Deixava-me o fígado no lugar do coração e o intestino no lugar do cérebro

Quando saia cortava-me os pulsos e aí se esquecia de mim por algum tempo

Mal amanhecia o dia e lá estava, latindo, correndo, estraçalhando

E como uma criança hiperativa parecia nunca cessar ou dormir

E aí você perde empregos e vai mau nos estudos e literatura alguma te prende atenção, mas sempre há uma música que traduz tudo

Mas houve tempos também em que preso a corrente ficava

E ali sequer ladrava, mas ainda assim nunca deixou de demonstrar que estava ali.

Recolhida, por vezes uma forte gargalhada lhe fazia botar o rabo entre as pernas

A entrar para o fundo do seu reduto que homem nenhum jamais encontrou

Um beijo de uma desconhecida qualquer era um verdadeiro martírio para ela

O sexo então era a quase morte, mas como uma bactéria ela sempre sobreviveu

Às vezes é mais do que beber.

Às vezes é mais do que fumar e se entorpecer.

Às vezes trata-se de viver mais um dia

Como um lema de alcoólico anônimo ao inverso

“Só por hoje”,

Pois de fato você sabe que não tem saída, você não pode simplesmente jogá-la

No banco do passageiro e depois abandoná-la na estrada mais distante

Meu velho talvez tenha me ensinado a lição mais dura e que talvez jamais aprendi

“A dor é um sentimento com o qual você tem que aprender a conviver”