CIDADE QUE NÃO SE OUVE - Republicação na tarde de 10 de julho de 2012
A voz de um anjo para silenciar teu silêncio
ventos uivantes calando quem és, quem não és,
a sacudir desde as raízes
o apartamento cravado numa curva
da São Paulo impermeável a mistérios
de cavernas
sombras
desertos
cada um dos impossíveis
de onde viemos
essas conchas de tempo para sempre ecoando
dias e mundos a esmo
meus pés pelo shopping
e refletido nas vitrines teu rosto, Heathcliff,
para todos os que não te sabem
o teu rosto, informatizado e cotidiano.
Meus pés lúcidos por onde
os pensamentos e os olhos jamais.
Bocas de vulcões
lavas invadindo a cidade
visível para mais ninguém.
Quando eu voltar para casa, Edgar Linton,
não temas. Continua a ler teu livro, imperturbável.
És minha mãe, sabes que sempre volto
metade do meu tempo.
Aqui os dias nascem e se põem sem sobressaltos
se não estou à janela exposta aos ventos.
Tu não verás Catarina, a delirante,
com todos os seus cabelos desgrenhados
mas Cathy e o pequeno Edgar na Internet,
navegando.
Lembra-te: amanhã sem sombra de dúvida
é domingo
e estaremos todos aqui, seguros.
A voz de um anjo para acalmar
tua ausência nos nomes ossos glândulas nervos
pele. O fogo de um deus das profundezas
que és tu, o louco, do poder por mim outorgado.
(e eu, tua também louca "companheira").
Enquanto no romance tua estranheza inteiriça,
monolítica,
na livraria o autografas, irreconhecível.
Todos os ventos invadindo
céus terras fogo entranhas águas.
Do alto desta charneca eu, a ouvi-los,
criaturas aladas sem qualquer leveza.
O anjo hesita
guarda a própria voz na garganta
aguarda a impossível ordem de outro anjo
para anunciar a hora
da libertação de Perséfone.