Quando me escrevo
eu leio
desenho estranho
ou por vezes me reconheço
ou durmo
ou apago
outras sou vinho amargo
pedra ou estilete
arco sem flecha
brecha
entranhas
Quando me escrevo
verto sabores e visgos
retiro ou invento
tantas cores
intenso arco-íris
Quando me escrevo
renasço ou estraçalho
quando me escrevo
faço um pacto
com o demônio
resto atônito
sou Maria
sou Antônio
Quando me escrevo
viro anjo
subo ao céu
chuva com gosto de mel
Do corpo ou da alma
ou do sangue
verto em ânsias
e o que vejo
escrito sou eu
em algum lugar
ou não sou eu
em lugar algum
vida inteira
instante
apogeu
E se me leio
lambo o pranto
engulo a dor
transfigurada
linha torta
e vai e volta
enfim afaga
Quando me escrevo
sou grito
trovejo
calmaria ou pejo
incompleta
direta
Quando me escrevo
tenho medo
de ver revelado
algum segredo
vem do fundo
vem do raso
ou do acaso
e deita e rola
e agoniza
mas também
vibra e geme
e chora e treme
Quando me escrevo
latejo
quando me escrevo
sou lampejo
e fé
e fome
sou isso
ou não sou nada
ou tudo que não tem nome!