O AMANTE DA LUA

Por uma estranha perdeu o equilíbrio,

Uma única passagem interrompida,

E nua ela estava e ele sujo

Em seu pudor e seu destino.

Seria Eva a mais rara,

Não fosse a desconhecida,

Não fosse aquela do prime-ofício,

Ante-filha das vertigens.

(Ó virgem da face blindada,

Serei Deus,serei Deus se quizeres!

Darei-te a flor mais suja

Da mais pura das mulheres!)

Vermelho é o pátio e o sol é velho,

Debruçado sobre o vício ele espera

Que ela venha,feito o anjo na parede,

Com suas asas tortas e riscadas.

Mas nada acontece,a morte é certa,

Pulsa menos o dia a cada hora,

Embora se viesse antes da noite

Não encontraria ali um homem

E sim um Deus,um louco,um nada,

Que a própria dor bebe e consome.

Toda madrugada ele ouvia

Por trás da parede as pancadas:

Noite,noite,dia,dia...

Era o instante,um peito aberto,

Tudo o que sentia era o vago ser;

Paixões,brilhos,risos fantasmas

Na loucura irreal do sofrer.

Entre o bem e o mal uma espada,

Um só golpe,um só choro

De criança abandonada

Ou de uma tábua velha e podre.

(Desce a escada ó crudelíssimo!

Comove os juízes e os autores...

Doutores,se houver,sejam ilegítimos,

Ao louco impõe-se os horrores!)

Quase sem ver a luz...e há

Um brilho cego no altar da memória,

Rabisca as páginas da história

Onde o nome do anjo está gravado:

"Sou Deus!sou Deus!" grita o louco

E levanta o sol nas sepulturas;

Anda o coxo,vê o cego,fala o mudo...

Contudo nega as escrituras.

(Depois o instante cobre-o,preso

No amor de si,sem entendê-lo

Resolvem por si mesmo castigá-lo,

Deixá-lo em si mesmo convivê-lo!)

"Sou Deus!sou Deus!" e o mundo abala

Como uma flor vermelha e suja

Numa noite fria de lua rara.

Gilberto de Carvalho
Enviado por Gilberto de Carvalho em 05/02/2007
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