'Diálogo' Entre um Humano e um Espelho
[Humano:]
Espelho, espelho meu
Se você tivesse boca,
Mentiria como eu?
[Espelho:]
Humano, humano ateu
Eu minto o mesmo tanto
Quando os olhos vês nos meus!
[Humano:]
Espelho, espelho europeu
Como pode responder-me
Se boca ninguém lhe deu?
[Espelho:]
E que boca uso eu
Se não este reflexo
Que responde ao falar teu?
[Humano:]
Como usa o reflexo meu
Para contrariar o que digo
Se a som da voz não é seu?
[Espelho:]
Ora. ora, como o breu
Que na noite não se vê
Teu reflexo ignora o meu - você!
[Humano:]
Meu reflexo não sou eu
E você nada seria
Sem mim, nada refletiria!
[Espelho:]
Pelo o olhar de Polifeu!
Ciclope feito tu
Porque não vês? Sou Odisseu!
[Humano]
Nada sabes, sou Orfeu
Que cretino és tu
Nasceste em Creta, Teseu?
[Espelho:]
Ora, eu sou Mardoqueu
Tu, Hamã, o humilhado:
Caíste no laço teu!
Se não sabes, sou judeu
Que por pouco, enforcado,
Por ti não foi e por seu deus
[Humano:]
Humilhado? Engano seu!
És vazio, impuro, frágil
Como o telescópio de Galileu!
Nada que disse me apeteceu
Pensa que me ofende, ledo engano
Não frequentaste o ateneu!
[Espelho:]
Falas que eu não vejo o céu?
Nem contemplo Urano, belo?
Saiba, é claro, sem um véu!
[Humano:]
Como vês sem olhos, plebeu?
Na noite bela e estrelada
Só reflete o que a luz te concedeu!
[Espelho:]
Mas e tu, oh vil Romeu
Que mataste Julieta
Também me queres num museu?
[Humano:]
Como todo corifeu
Quero uma estatueta:
Sua ossada num mausoléu!
[Espelho:]
Saiba, então, o que não leu
O reflexo desta vida
Não verá meu apogeu!
[Humano:]
Deixar-te-ei no jubileu
Ou quem sabe em Cuba
Dar-te-ei para Fidel!
[Espelho:]
Por Casimiro de Abreu,
Que esperas então deste,
Que sem infância cresceu?
[Humano:]
Espero que dissimule o léu
E sejas o velho espelho
Que sempre calado via eu!
[Espelho:]
Oh, hipócrita, fariseu
Porque me ignoras?
Meu falar foi tu quem deu!
[Humano:]
Acha que fui eu quem deu?
Dei-te minha imagem pra refletir
Na verdade, você sou eu!
[Espelho:]
Antes calado fosse eu
Como o fui em meu passado
Onde boca não ''haveu''
[Humano:]
Se caso não percebeu
Esta boca sempre houve
Assim como os ouvidos meus
Edimar Silva - Humano
Fabio Henrique Pupo - Espelho