BALADA DO SARCÓFAGO

BALADA DO SARCÓFAGO I (8 JAN 2008)

Eu me movo ao longo das paredes

como os outros espíritos, sou morto;

como outros pecadores, eu sou torto,

entre os tijolos em que armaram redes.

Eu não posso te dar o que te pedes,

as ligações com todo mundo eu corto

e sair dessas paredes não suporto,

por mais que perto do reboco quedes.

Sou escravo das paredes desta cela,

tornei-me um ka e nem me movo pelo ar.

Se precisar, lamentarei em canto.

Sou bidimensional, qual uma estela,

vivo em meu leito, erguido e sem deitar

e sem te ver, redobrarei meu pranto.

BALADA DO SARCÓFAGO II

Sou mancha de bolor sobre o papel,

embolorada a mancha de minhalma,

emparedado ermitão, mantenho a calma,

a deglutir o meu estranho fel...

Perdi minha chave para o mundo; meu anel

é a mancha de bolor que cobre a palma,

sou um fractal repetido dentro dalma,

sou podridão a pretender ser doce mel.

A água que dá a vida, dá o bolor,

nele crescemos, nos paineis de Gaia

e chamamos nossas hifas de paixão.

Esse é o que resta, o verdadeiro amor,

que das fibras do papel nunca mais saia,

qual parasita a roer-me o coração.

BALADA DO SARCÓFAGO III

Estou pranteando, em luto por mim mesmo,

depois que faleci, sem ser pranteado,

pelos desejos nunca mais sonhado,

perdi mil sonhos que lancei a esmo...

Pela impaciente morte de si mesma,

ideologias pregadas sem ser cridas,

esperanças proclamadas sem ser tidas,

meu caracol minimizado em lesma.

Assim me vejo reduzido a um abantesma,

sem forças e sem cor, sem braço ou perna,

arrastando minha jaula sobre mim,

qual um cadáver, catalogo a resma

dos meus poemas, luz sem ter lanterna,

deixando rastro sem lustro no meu fim.

BALADA DO SARCÓFAGO IV

Fui rebocado pela ausência tua

e passo os dias entocado no porão,

meu tornozelo rasgado por grilhão,

enquanto no exterior a vida estua...

Somente vejo a palidez da Lua,

por entre as grades de meu coração.

Não sei que fluxo tomou-te de roldão,

levou-te para longe e assim me argua.

Só sei que em meu ergástulo enlanguesço,

construído com coágulos da alma,

a cada vez que outra ferida abria.

E por mais que o deseje, não pereço,

pois cumpro ainda a pena que me empalma:

continuar vivo enquanto não te via!

BALADA DO SARCÓFAGO V

Se não voltares, tenho doze pragas

e em teu caminho todas lançarei.

Pior que o Egito retalhado por adagas,

serão as pragas que te rogarei.

Se não voltares, serão doze vagas,

maré maligna de meu coração,

ouvidos surdos e palavras gagas,

peçonha amarga para tua aflição!

Se não voltares, odalisca antiga,

vogando calma em barcos de papiro,

quarenta noites serás imersa em nardo.

Se não voltares, amor que te persiga

e por cada alvoroço que respiro,

hás de sentir as mágoas de teu bardo!

BALADA DO SARCÓFAGO VI

Com Nardo de Eilestiápolis

mumificarei teu mundo,

vou guardá-lo até Setembro,

nas mastabas de Heliópolis.

Nos hipogeus de Hierápolis,

no corredor mais profundo,

vou guardá-lo até Novembro,

nas pirâmides de Hermópolis.

Então, com Leite de Kim

e Água de Elefantina,

de faixas te cobrirei,

até que venhas a mim,

como outra múmia divina,

na tumba que escolherei!...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 09/12/2011
Código do texto: T3379332
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