BRUSCA DEMÊNCIA
BRUSCA DEMÊNCIA
Andrajosidade na cegueira da calçada
até o passo de esguelha no momento
eu sei...
e fui andando, andando
até onde a fronte se franziu
Uma mendiga no meio da rua:
Solidão
Miséria
Devassidão
Ouço o rumor da rua
o burburinho cru
Mergulho na imagética densidade dos olhos
a qual reluz sua insignificância,
clama sua loucura,
grita sua bizarrice na face
Brada gesticula surpreende
com tamanha ferocidade
E no meio da multidão sinto muito,
mas muito não posso sentir
pouco não posso escrever
parar não posso a pensar
então à metade fico...
Um nariz tropeça no joelho
e; diante do vidro translúcido:
modelo, aprazível aos olhos
marca, aprazível aos olhos
cor, aprazível aos olhos
design, aprazível aos olhos
O preço é equivalente a todo o seu contemplativo prazer
e a forma de pagamento
é só um tormento
e eu apenas lamento
que não tenhas comprovante de renda
e ainda tenhas de aceitar sem contenda
esse não-poder injusto
essa palpável altivez de custo
mas...
você ainda pode se embriagar
por três dias
com esse dinheiro
Então vá
faça o sacrifício de não sentir
e de não desejar possuir
Apenas vá,
desça a colina até a planície
atravesse o rio barrento
suba a trilha pela encosta até o monte
e lembre-se de viver como um selvagem animal humano
Afaste-se de sua espécie
por que sua espécie o repudia
sua estirpe não pode comprovar rendimentos
mas outra que é muito semelhante tem vários investimentos
Então esqueça a vitrine e a vidraça
Apenas viva como vive o animal
rosne como o tigre
fareje como o cão
mude como muda o camaleão;
voe como a coruja
à noite
rasteje como o faz a serpente
entre folhas crepitantes
rompendo o silêncio
de uma noite lúcida e austera
Uma noite qualquer sem estrelas e sem lua
como a própria ausência de desejos
num envelhecimento lento
até o lamaçal leitoso
de barro e água e areia e folhas
É proibido renegar-se
e será impossível regenerar-se
então obedeça
seja comum, seja banal, seja imbecíl, seja normal
Não sonhe
Não lhe apeteça mais do que te darão
Extravase vez ou outra
embrague-se e grite tolices
que não fazem sentido algum
Não sonhe
Não queira
Permaneça no chão
sempre o solo ao soprar a brisa
Morpheus