Negras nuvens de rancor
Libertei as borboletas cores vivas
Das imediações de minha alma um pouco sonolenta
Só pelo prazer de estar soltando-as
Para vê-las voar bem alto e longe de meus olhos
Inteiramente sozinhas para que pudessem sonhar
Enquanto isso um nó na garganta veio me salvar
Esse tropeço em alvoroço lembrou-me das possibilidades
Tão indefesas que a vida faz ao tirar os carecidos
Carinhos cansados de alguém que já não tem vida
Que morre sozinha pouco a pouco sem ar
É o lamento das interpretações de uma existência
O último suspiro que eu vi soltar
Debruçando em profundas e coitadas lágrimas
Sem o corpo, sem o poder de ter ao lado o amor;
Do único filho que já sonhou no fundo do mar
Subiu em mim um rancor, uma raiva;
Queria bater na face dos cruéis e desumanos
Que tão friamente esqueciam-se de que tinham também filhos
De que um deles poderia estar morto no mesmo instante
Infames seres!
Exausta, inteiramente morta!
As águas do mar estarão para sempre marcadas
O céu que reflete a imortalidade tão suprema
Ficou sem espelho diante da alma perversa e humana
Vergonhosamente as nuvens negras se acostumaram.