ROUBEI  O  TEU  DIÁRIO

 
A Irma:


Deixaste comigo o teu diário.  
Querias que eu levasse o teu pensar?
Minto!  
Mostravas-me apenas a bela capa daquele livrinho exclusivamente teu.  
Eu, curioso, é que o arrebatei de tuas mãos.
Evidente estupidez
e completa falta de cavalheirismo. 
Resta-me só implorar o teu renovado perdão.
Pois saibas que,
mesmo para nossos atos impensados, existe uma causa,
uma forte razão.
 
É que minh´alma, loucamente,
queria ver-se em teu sumário.
Queria acreditar-se à tua imagem e semelhança.

Ora,
pelo que sei,
uma alma mirar-se e desejar sua beleza
na beleza da outra,
é puro narcisismo, não?! 
Difícil é impedir os anseios e as loucuras
dessa alma que quer amar a imagem da outra
como sendo a sua própria!

Arrogante que fui,
não liguei para o teu olhar pedinte e choroso,
tampouco, logo em seguida,
pro teu irado semblante.
Vi que ficaste uma fera!...  
Também, pudera!...
Tua história, tua feminilidade,
teu dia a dia,
teus motivos pra sorrir, pra chorar,
pra sentir saudade...
tuas invencionices, tuas verdades...
estão ali,
tintados de azul ou rosa
e escritos com a leveza de tuas mãos.

Tudo aconteceu...
Aliás,
meu crime aconteceu
no exato momento em que tomavas
o último ônibus que te levaria à escola.
Aí,
com esperteza,
diante de tua pressa,  
atirei teu livrinho de registros em minha sacola! 
Confesso que logo me arrependi. 
Tanto que não o li.
   Acredita! 
Guardei-o com carinho
até a entrega no dia seguinte. 
Achei melhor e mais prudente,
para minha consciência,
respeitar teus pensamentos,
tuas frases,
tuas fases,
tuas poesias puras, teus poemas prediletos...  
e até teus amores secretos... 
Honrei teus momentos de intimidade,
de recolhimento, de silêncio, de autoanálise,
de confissões, de desabafo... 
 
Sim, sei,
cometi uma estupidez, uma insensatez,
uma inominável e indesculpável gafe!

Não me cabe o direito
de te faltar com o devido respeito. 
Bem que deveria, nesse enleio,
haver uma punição legal para quem rouba
segredos alheios!...  
Mas estou livre desse castigo.  
Livre porque não li mesmo esse teu sagrado livreto.

Então
- me perguntas -,
se não o leste, por que o roubaste?!...

Sinceramente,
ainda não sei. 
Também não o fiz por maldade.  
Meu temperamento moderado é que,
num repente,
se emociona, se agita e se desfaz. 
A princípio,
a  intenção era passar só uma noite
abraçado a um pedaço de ti
e,
no meu sonhar,
decifrar tuas legendas transluminosas.
  
Quem sabe,
foi também para apalpá-lo
e apertá-lo
(ou apertar-te)
contra o meu peito! 
Uma maneira de sentir o teu roçar
em cada página
com delicadeza...

Não!...
  Asseguro-te que não!...   
Eu jamais te feriria outra vez!

Ou melhor: 
eu jamais me feriria tanto outra vez!... 
Palavra de bandido arrependido.
Arrependido porque senti na carne e na alma
os espinhos dessa mágoa
que não é só tua,
dessa invasão na inocência
de um sentimento
que é só teu. 
 
O dolorido é que,
novamente,
quase  meu  sutil  desrespeito  
sufoca  o  teu  afeto. 
O mesmo ato instintivo
daquela vez
em que escondi o teu vestido. 
Estás lembrada?!... 
Deixei-te propositalmente despida...

E, como se não bastasse,
agora tento os teus segredos desvestir,
por certo,
só para perder o medo
de me apaixonar perdidamente por ti...



Beijos, Fred