O canhoto
A dor que compromete tua alma
Transfere-se para o teu corpo
E acaba por libertar-te só depois de morto
I
A dor se tornara bem-vinda
Inspiradora, sublime, fatídica
Tudo que fiz foi permitir
Deixei-a se acomodar, não vou mentir
As lágrimas não mais saiam
A tristeza encontrara um orifício em mim
E lá se alojara, pondo um marco
Em minha vida, iniciava-se alí o meu fim
Ficaram marcas doloridas, ilibadas
Profundas e não cicatrizadas
De uma vida, um sonhar
Morto pela realidade ao despertar
Queimei as lembranças todas
No fogo que profanou minh’alma
Desatou-me a vida, ilusoriamente
E petrificou meu coração, tão verdadeiramente
Que morri, morri por dentro, e continuo sofrendo!
II
Não penseis que é egoísmo
Só peço a vós a alforria
Desta alma triste e doentia
Que só quer um leito pra livrar-se da agonia
Pois não posso mais evitar o impasse
Ou exaurir-me, enfezar-me ao criar
Tantos subterfúgios e falsos sorrisos
Quando, na verdade, estou beirando o abismo
Pois ardilosa é a tristeza
Implexa é a verdade
Que me arrebata do sentimentalismo
E leva-me de volta à realidade
Aqui estou, a chuva molha-me os cabelos
Lava meu coração com desejo
Meus últimos batimentos são de anseio
A mão esquerda puxa o gatilho
E no átimo da dor sinto-me líbero.