O SER DO XAMÃ

Posso me orgulhar de ter ido a um hospício
De ter entrado, mesmo que temerosamente, no habitat dos loucos
E ainda ter ouvido dementes mas precisos conselhos dos insanos

Não que eles soubessem o que estavam dizendo
Mas eu próprio sabia o que estava ouvindo
Vivendo algo como a doença iniciatória de um xamã

De lá trouxe poemas
Contraditoriamente claros, matutinos
Que fizeram contraponto a outros tantos noturnos

O canto demente não me comovia
Me trazia crença, mas não me trazia lágrimas

Não louvei a fúria dos possessos
Mas também não consegui encontrar a santa ira
Desfiz apenas a falsa ordem
Extraindo a ordem verdadeira do que se sustentava em meio ao caos

Aquilo que cura quem está à volta
Que tropeça em poemas para o mundo
Que toca o impuro e dele não participa
Que empalidece sob o Sol, mas é chama dele próprio