ARTEFATO

Moldei em mim a forma tosca de um vaso,

um áspero pote cozido no fogo do meu ego,

depósito dos restos separados da carne alheia

purificada por unguentos e resistente ao ocaso.

Sob a máscara dourada ela repousa, dura e feia.

Jaz com auto-engodo inadimplente

em ridículos sonhos e vil sofisticação,

ostentando a insolência de um divinizado,

com indulto imerecido à alma doente.

Sustenta com ataduras o enchimento ressecado.

Abarrotado das sobras da virtude oca,

sou eu, por fim, o estúpido avalista

de tudo que minha alma deglutiu

inerte e passiva, pela larga e conivente boca.

Guardo no bojo dos medos o que a burrice digeriu.

Pelo que não é meu carbonizo-me por dentro

privado das benesses do sono e desprovido de calma,

sofrido pela a azia do refluxo que arde

lançado do bucho impiedoso de meu centro.

Ácido humor contra o soberbo e o covarde.

Soterrado entre pedras e paredes de clausura,

junto à carcaça que o tempo ainda perdoa

espero, lamentoso que cesse a maldição

de vincular-me sem escolha ao ódio que perdura.

Profanem o sarcófago e destruam o guardião!

Esfarelem-se as mentiras sobre a imagem ressequida

de tudo que se diz puro e se guarda contra a vida,

possa eu cobrir-me do bálsamo que jamais rejeitei,

que me anestesia as chagas e cicatriza as feridas.

O saber que por toda a existência, não me poupei...

Desprezei a auto-condescendência

evitando curar-me às custas da dor alheia,

mesmo tendo vazado por entre as fendas de meu pesar

os talentos que a vida a mim confiara em essência.

Não tornei-me senhor do que não pude carregar.

Troquei o êxtase da plenitude por saber que sou penoso,

cárcere da virulência em mim latente e fermentada,

restando, de consolo, recompensa aos caçadores:

Sobre a ânfora maldita há um selo valioso.

Intransponível aos incautos e retentor de maus odores.

Único tesouro permanente e imutável,

escambo entre a eterna insolência e a humana essência,

que, de todos os dons que a raça pré-julga constantes,

nenhum se mostra tão puro e inquebrantável.

Exceto o lapidado diamante, de finíssimos ângulos e gumes lancinantes.