Coveirinhos da alma

Eu preferia quando você não era realidade.

Quando não existia matéria em você, e sua forma era desenhada por ondas da minha imaginação. O seu sorriso era mais doce, e você me afugentava pra fora da confusão. Já reparou que há uma grande diferença entre aquilo que idealizamos e aquilo que podemos tocar? Sinceramente, hoje não sei mais o que quero. E o vidro brilhante que nos separava, quebrou, e hoje você não é mais você, mesmo sendo-o na íntegra, nos seus olhos. Você não pertence mais ao seu sorriso, e nem é culpa sua. Eu lhe criei. Boca, pelos e dentes.

Fiz-lhe como criatura divina, sem pecado e, portanto, dono de todos eles.

E o que fazer com você agora? O que resta e significa? Há algum significado na relação entre um corpo e outro? Ou esta também é construção? Tudo posso criar, e só corro risco quando o que crio se torna pulso. Eu o queria, e agora essa certeza se afasta de mim com a mesma velocidade pelo qual quis desenha-lo com as mãos. Você não é mais meu desenho, e o fato de não poder lhe desenhar é o que me tinge de cinza. Você já era matéria, homem criado, e meus olhos não viu.

E agora o que sinto é uma ausência no meu peito de um amor que nunca existiu, e que ainda assim pude matar. Ele não existia o suficiente para que pudesse ser completo, para que eu pudesse mata-lo, e assim o era tão real quanto a minha dor é agora, por ele não mais existir.

Não sei onde você está para poder sofrer. Não me fora dado o direito de chorar pela sua existência, não lhe encontro em todos os lugares. Então onde está minha dor? A minha dor é substância? Sinto-a entre os meus seios, e um pouco abaixo, cavando um buraco no meu externo. Talvez seja por isso que esse osso assim é chamado, ele põe pra fora tudo o que acontece lá dentro. Se eu pudesse tiraria esse bichinho cavador que mora entre ele, aqui, bem no meio. É como os coveiros, quando cavam suas covas. Talvez também existam coveirinhos dentro da gente, e ainda é a hora de cavar. Daqui alguns dias, ele enterra, e tudo volta ao normal. Meu vazio acaba.

Quanto tempo um coveiro demora pra cavar uma cova? Quanto tempo ele demora a enchê-la de terra? É só o que quero saber. É apenas o que sei: Este é o tempo que meu coração demorará a se acalmar.

E ainda assim, eu não lhe quero de volta, porque só lhe tive quando não lhe podia enxergar e tudo era voz.

Lu Pereira
Enviado por Lu Pereira em 24/02/2011
Reeditado em 02/03/2011
Código do texto: T2811793
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