Sons
Descobri que sonhos são acontecimentos estranhos,
que nos mostram quão maravilhosa seria a vida,
se não fosse o inconveniente da realidade.
Em um deles, havia uma bizarra casa do avesso,
com uma árvore junto a cerca, que produzia sapatos.
As pessoas eram felizes, e os cães eram amigos dos carteiros.
Sempre ouvi sons estranhos vindos do telhado,
e imaginava o que poderiam ser.
Talvez pedacinhos de meteóros, parafusos de aviões,
granizos solitários...
Costumava usar a lógica e após profunda reflexão,
escolhia a mais óbvia explicação:
Eram bailarinos sem teto.
O tempo passou, e deixei de ouvir os sons
que vinham do telhado, e também dos grilos
que tocaram Elvis, incessantemente,
por duas décadas, em minha janela.
Não sei se eram os mesmos grilos.
Talvez sejam bisnetos e tataranetos
daqueles, que embalavam meu sono.
Mas isso já não importa, tudo aquilo
foi a tanto tempo, em outra vida.
Então um dia acordei e fui tirar minha dúvida de menino,
e ver o que de fato havia lá.
Lágrimas cairam ao constatar que os bailarinos sem teto,
hoje velhinhos, ainda dançam no meu telhado.
E a lua pára, admirando-os, enquanto oculta a face,
lentamente, para também chorar, ao perceber o motivo,
pelo qual, a muito não fazem barulhos.
A criança está surda,
morreu na última primavera.
(Jacob G.)