O Grande Rio

Minha porta está fechada.

Enquanto isso corre o boato

dos corpos sem coração.

Foram encontrados ontem

- às margens do grande rio –

molhados por tanto pranto

que as mulheres carpideiras

não se puseram a chorar.

Em cada peito um buraco

– como quando se planta uma árvore –

cada um, ali, perdido,

pedindo alguma semente.

Os joelhos estavam inchados,

das mãos corriam sangue e cera,

os pés calejados dormiam

o sono de toda uma vida.

Dizem nos botecos, à meia luz,

que há muito os corações já não existiam.

as pobres vítimas não eram tão pobres

e a morte sabe o que faz.

Dizem, como sempre, dizem

que os corações evaporaram,

não havia mais lugar ali

para um coração existir.

Dizem, como sempre acontece

quando aparece alguma notícia,

dizem que cada corpo trazia em si

um pouquinho do nada do inferno.

Que qualquer pedaço de vazio

é como uma maçã podre no cesto.

Minha porta está fechada.

Não quero ser encontrada

às margens do grande rio.