Não Escrevo Mais
Não quero mais escrever
Definitivamente, não quero!
Escrever é um trabalho árduo
Solitário inclusive, muito solitário.
Eu quero a tranqüilidade de uma tarde
Fria e chuvosa num dia de sol forte
E de mar revolto.
Quero a presença das pessoas vãs
Em meu coração vazio cheio de
Sentimentos frios, que ama
Desesperadamente em seu
Calor rutilante.
Não quero mais escrever.
Escrever é apenas desculpa
Esfarrapada para quem não
Tem coragem de agir.
Eu quero, ao contrário, usar
Toda a inércia que move o meu ser
Para fazer as pequenas coisas
Que um homem deve fazer diariamente.
Coisas tão pequenas que transbordam
A consciência dos grandes
Seres exíguos.
A escrita é tão utópica
Que nos mostra a exata
Medida da realidade,
Que os sonhos nos esconde.
É o sentimento posto no papel
Por mãos ardentes
E coração calejado.
É a cura do mal que o
Bem nos causa.
É o remédio da alma
De um corpo doente.
É a sanidade do espírito
De uma mente pobre.
Mesmo assim não escrevo mais.
A escrita é a abstração concreta
Do mais intangível dos sentimentos
Que se pode tocar.
A escrita é a mais perfeita
Coerência e coesão entre aquilo
Que, contraditoriamente, sentimos
E aquilo que escrevemos.
Não escrevo mais porque
Ler dá sono.
E quero os sonâmbulos
Que me rodeiam bem
Acordados.
Não quero que leiam apenas
O que escrevo, quero que sintam
O que há dentro de mim
E que neles deposito sem que
Percebam.
São tão insensíveis esses
Tolos sentimentais!
Não escrevo mais porque
Escrever me mostra a felicidade,
Como se mostra para uma criança
Um belo brinquedo que seus pais
Não podem comprar.
Não escrevo mais, enfim, porque
Não quero viver minha vida
Na realidade surreal
Que me proporcionam
Algumas delirantes e
Mal-traçadas linhas perfeitas.
Ilhéus, 25 de março de 2010.