NÃO QUERO IR E NEM FICAR

Eu cada vez caio mais para dentro do mesmo lugar

sem necessariamente ir ao fundo

muitas vezes plano

outras desengano

mas sigo em frente sem lenço sem documento

sem passagens

sem medo de avião

viagem

tudo se resume a um refrão

a uma coca-cola

a um acarajé na ladeira do pelô

não

não quero ir por esse mar tamanho

sobre esse ar tolo de nuvens bêbadas

pra chegar e já querer voltar

acho que é paranóia ficar preso na aldeia

indo daquele lugar pra dentro do mais fundo

sem necessariamente ir fundo

as vezes plano

espiral

piração

tudo se resume a inspiração para fazer um tango

comer um rango diferente

que no Bixiga se acha melhor

não

não quero mar areia fissura tremenda

calor insuportável

o que não significa contente

onde estou

na gaveta daquele andar

de concreto e ferro moldado

é tudo contraditório e aleatório

o abstrato

o substrato cultural para turista

não quero canção de cordel

improviso

um aviso: cuidado, perigo, material inflável

eu sei que parece milonga

mas não quero polenta massa molho al sugo original

parece despeito

mas é só um jeito de algo que sinto

uma necessidade de ficar quieto

pra dentro

nenhum movimento

sem lenço documento passaporte aeroporto

gorjeta

sei lá

não quero ir Irene nem quero ficar parado como poste

é algo confuso e claro que não sei explicar

direito

que Wally Salomon falou e poetou melhor do que eu

...

“Viajar, para que e para onde, se a gente se torna mais infeliz/ quando retorna? Infeliz e vazio, situações e lugares/ desaparecidos no ralo,/ ruas e rios confundidos, muralhas, capelas, panópolias, paisagens, quadros/duties free e shoppings....” (Wally Salomão, in Jet-Lagged)